Como já é de conhecimento de muitos, não foi por meio de livros que eu vi a possibilidade de me tornar um contador de estórias. Os grandes responsáveis por esse cargo foram filmes. Por muito tempo eu desenvolvi o hábito eterno de maratonar filmes e séries. E, ainda que hoje eu tenha substituído meu tempo de filmes para livros (já que eu desejo me tornar um escritor), são artes visuais que eu recorro toda vez que preciso relaxar e/ou não pensar em trabalho. É claro que muitas vezes esse momento de ócio não vem – eu fico analisando as personagens e seus dilemas, consequências que eu mudaria aqui ou acolá, ou até a seleção para o final de um dia estressante. Na véspera do dia em que escrevo este post, por exemplo, decidi embarcar em “Quem Quer Ser um Milionário?”, um filme que eu me lembrava de ter assistido há muito tempo na Tela Quente da Globo, mas que não recordava a intensidade de drama que a obra carrega. Mas, logo no final do filme, valeu cada suspiro que eu dei de desespero pelas personagens e seus dilemas.
Muitos dos filmes que compõem o meu top10 possuem características parecidas com “Quem Quer Ser um Milionário?”: eles me lembram do quão bom é me envolver com uma trama, a ponto de me fazer considerar as personagens como meus amigos, além de me fazer refletir bastante sobre a minha própria vida. Segue, então, o meu top10 de filmes prediletos:
10. Democracia em Vertigem, por Petra Costa
(pt.wikipedia.org)
Este documentário divide opiniões até entre a esquerda, mas, para mim, é o filme mais autêntico e sincero deste gênero.
Há uma onda de pessoas que acreditam que o jornalismo deve ser imparcial, mas eu definitivamente não acredito nesta possibilidade. Jornalistas são seres humanos e, como seres humanos, eles possuem convicções e crenças que acidentalmente ou não acabam influenciando o seu trabalho. Até mesmo a seleção do que noticiar ou não está diretamente ligado aos seus gostos, suas bagagens como jornalistas e, obviamente, suas posições políticas. Petra parece concordar comigo nisto, pois, do início ao fim da obra, ela é bastante honesta em se abrir para o seu próprio projeto.
Sem tempo para críticas de imparcialidade no filme em que ELA dirigiu e protagonizou, Petra deixa explícito a sua posição quanto à era conturbada que estamos vivendo, dando um toque intimista que eu não sinto com outros documentários. E, ainda que ela enfrente críticas da esquerda de que a real vertigem de democracia não tenha sido iniciada em 2016, acho que todos podemos concordar de que o golpe de 2016 foi a ponta do iceberg dessa democracia ilusória a que nos é imposta.
Confesso que foi um tanto difícil não endeusar os ex presidentes Lula e Dilma, mas, quando o meu medo chegou ao auge de se tornar um filme que omitisse todos os erros cometidos pelo Partido dos Trabalhadores, Petra mostrou que quis sim mostrar o lado da direita. Explicitamente escolhendo não cooperar com o projeto, a direita ficou sem mostrar sua perspectiva em uma obra que alcançou fama internacional, sendo indicada ao Oscar, a maior premiação de filmes do mundo.
9. A Pele que Habito, por Pedro Almodóvar
(adorocinema.com)
Almejando praticar a minha habilidade de escuta em espanhol, decidi, nessa quarentena, conhecer o trabalho de Pedro Almodóvar, um famoso cineasta espanhol. Dentre todos os filmes que eu assisti, A Pele que Habito, com toda certeza, é o meu favorito.
Não satisfeito com a trama coesa e em ritmo acelerado, Almodóvar e sua equipe nos presenteiam com uma reviravolta muito mais interessante de que a fórmula hollywoodiana de “Personagem X na verdade é o vilão da estória, e não o herói”.
Decepcionando qualquer expectativa que as pessoas possam possuir de mim, eu confesso que só entendi a reviravolta quando ela se tornou visível para nós telespectadores. Mas, como disse, muito antes de entender o que estava acontecendo, eu já havia sido fisgado pelo bom e misterioso enredo.
8. American Beauty / Beleza Americana, por Sam Mendes
(pt.wikipedia.org)
Que filme, meus amigos!!!!
Eu conheci o filme duas décadas após o seu lançamento, depois de uma amiga conectar a trama de “Espectro” com essa obra de 1999.
Além da atuação perfeita de todos os envolvidos, eu amo como a crítica à beleza americana é coesa e coerente com todos os personagens e temas presentes na trama.
7. Em Chamas – Jogos Vorazes, por Francis Lawrence
(amazon.com.br)
Eu me lembro de um encontro que tive no shopping. Éramos dois adolescentes de ensino médio em 2013 e dentre todas as opções que tínhamos para assistir no cinema, a segunda parte da saga de Katniss Everdeen era o mais apropriado por conta do horário (nossa cidade só foi ganhar um shopping no ano seguinte e, como até hoje dependemos de ônibus, levávamos pouco menos de duas horas para chegar em casa).
Todo o meu conhecimento prévio da saga era que, para a obra, a Christina Aguilera tinha gravado uma canção chamada We Remain (e que música, meus amigos!!). Acabou que a fila para compra de ingresso estava enorme, então eu e meu date decidimos simplesmente gastar nosso tempo andando e comendo no shopping.
Até hoje eu agradeço pelo tamanho da fila. Não sei se eu daria o devido valor à saga se aquele meu primeiro contato fosse acompanhado de um date na escuridão do cinema.
Em Chamas merece ter cada um de seus segundos devidamente apreciado, monopolizando nossa atenção de início ao fim.
Eu tenho a impressão de que Suzanne Collins é a autora que mais planeja suas narrativas e Em Chamas é o exemplo perfeito para defender o meu ponto.
Deus me perdoe de dizer isso, mas a arena é o ponto mais forte da saga – se não fosse os jogos vorazes, nós não teríamos a saga Jogos Vorazes. Ciente do quão cruel nós somos em nos entretermos por meio de um livro cujo ponto alto é a luta sem fim de gente matando gente, Suzanne planejou um universo que fosse possível colocar Katniss na arena novamente, um ano depois de acharmos que esta tinha vencido a sangrenta batalha que a condenaria à morte.
Muito mais experiente, Katniss está com sangue nos olhos para não apenas sobreviver, mas agora para viver.
6. Harry Potter e o Cálice de Fogo, por Mike Newell
(wikipedia.fandom.com)
Me diferenciando do fandom de Harry Potter, o Prisioneiro de Azkaban não é o meu filme predileto da saga. Este lugar fica para Harry Potter e o Cálice de Fogo.
Eu simplesmente amo a mistura de cultura e etnia que o torneio Tribruxo traz, embora esta mistura seja unicamente de povos europeus. Mas o ingresso de Alastor Moody também é um presente muito generoso para a trama.
Outro motivo para eu amar este filme, além da nostalgia que ele me traz, é o amadurecimento do universo mágico. Acompanhando os fãs que, assim como eu, estavam crescendo, J.K. Rowling foi sagaz ao dar uma tonalidade diferente ao que conhecíamos até então.
Foi a primeira vez que eu realmente senti medo de perder Harry Potter devido à iminente volta de Lord Voldemort e sua serpente gigantesca.
5. Get Out / Corra!, por Jordan Peele
(pt.wikipedia.org)
Quem me conhece sabe o quão medroso eu sou quanto a filmes de terror. Mas, tentando não pensar sobre as consequências de assistir a um filme do gênero, eu decidi me aventurar em Get Out, uma obra que, de acordo com os meus amigos, eu teria que assistir. Não preciso dizer o quão grato eu sou pelos meus amigos.
Apesar de não conter os sustos convencionais que nós nos habituamos a esperar em um filme como esse, o pôster e trilha sonora ritmada assumem o cargo de me amedrontar ao extremo.
O poder que essa obra tem de me fazer decidir se eu possuía coragem o suficiente para prosseguir com o play ou não é realmente uma característica muito única dentre os vários filmes dos quais eu sou fã. Get Out, além de contar com um ritmo muito fluido, também possui um enredo intrigante que nos faz refletir demasiadamente sobre diversas questões.
4. Arrival – A Chegada, por Denis Villeneuve
(imdb.com)
Muita gente não sabe, mas, esse filme foi baseado em um conto cuja existência eu só fui saber quando minha amiga fez um TCC sobre. O conto se chama Story of Your Life, assinado por Ted Chiang, um cara que, parafraseando a minha amiga, tem como maior feito a desenvoltura e delicadeza em escrever sobre uma mulher e suas camadas de ser mãe, linguista e mulher.
A adaptação cinematográfica consegue manter a coesão e coerência da obra literária.
Embora injustiçado no Oscar de 2017, este filme é lindo do início ao fim – sua fotografia, edição e som exalam excelência.
A estória gira em torno da chegada de naves misteriosas que estacionam em doze países. Como uma dos vários profissionais cotados para desvendar o mistério das naves, Dr. Louise Banks é uma linguista que tenta comunicação com os seres que habitam a nave.
Como se não bastasse este enredo incrível, o filme contém simplesmente a melhor e maior reviravolta de todos os tempos, na minha opinião. Assim como A Pele que Habito, o plot twist aqui não depende nem de longe em quem é o violão ou mocinho da estória.
3. But I’m a Cheerleader, por Jamie Babbit
(amazon.com.br)
Para quem acha que o meu coração só tem espaço para o drama, mal sabe que “But I’m a Cheerleader” é o filme ao qual eu me jogo toda vez que meu coração não está bem.
A despeito do gênero de comédia e a estética leve, o filme trata de um assunto sério de uma forma que poucos conseguiriam fazer com tamanha maestria. Ele acompanha Megan Bloomfield, uma líder de torcida que se vê rodeada de amigos e familiares que contestam sua sexualidade. Ela é então enviada para uma casa cujo maior objetivo é curar jovens perdidos para “desvios sexuais”.
Com participação de RuPaul, o filme nos presenteia com boas risadas ao mesmo em que debocha genialmente de assuntos que até hoje estão sendo debatidos.
2. Bacurau, por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
(pt.wikipedia.org)
Eu fico bobo toda vez que eu lembro que este filme custou míseros 8 milhões de reais para ser feito. É óbvio que para nós, que nunca veremos 20% de todo esse dinheiro, 8 milhões é dinheiro para caramba. Mas, ao compararmos o orçamento ao qual filmes de ação exigem em Hollywood, nós acabamos descobrindo que os responsáveis pelo custo do filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles fizeram milagre. Isto pode explicar, por exemplo, o encontro entre estrelas como Sônia Braga e Udo Kier com outros atores não tão conhecidos pelo público. Toda esta mistura deu muito certo, pois, além de um elenco no ponto, a trama consegue dar uma nova perspectiva com o que estamos acostumados a ver acontecer em tela.
1. Que Horas Ela Volta?, por Anna Muylaert
(pt.wikipedia.org)
E agora finalmente o meu filme favorito de todos os tempos (até agora).
Eu já perdi as contas de quantas vezes eu vi o filme assinado por Anna Muylaert, mas uma coisa é certa: todas as vezes foram muito prazerosas, ainda que num sufoco que só seja acompanhar os dramas de Val, interpretada pela grandiosa Regina Casé.
Eu sinto que esse é o filme mais natural e autêntico que eu já vi em toda a minha vida. Parece que realmente é um reality show sem roteiro: colocaram uma câmera para filmar uma residência famosa e não avisaram ninguém das gravações – todo mundo está exatamente no ponto, dando vida a personagens tão profundos e ricos.
Mas, no meu caso, definitivamente o que realmente me fez amar o filme foi a identificação da estória com a minha realidade.
Eu me lembro de ver meu nome primeiro no site da UFES, depois no jornal que a patroa da minha mãe deu à ela, meu nome circulado na lista de Letras Inglês. É claro que eu esperava uma recepção de familiares, mas a reação calorosa dos meus pais e demais parentes foi realmente algo para além da minha imaginação. Eu nunca vou me esquecer da minha mãe me beijando, numa cena que poderia ser facilmente pensada para novela das 9.
Todavia, logo após assistir ao filme e pensar nos temas abordados, eu logo compreendi a alegria dos meus pais. Era o resultado concreto de onde parte do salário dos dois ia. Era a quebra de um ciclo que até então estava intacto. Era o esforço de que há tanto tempo eles estavam construindo. Era a similaridade perfeita do que acontece com Val e sua filha Jéssica.
É por todos esses motivos que eu não poderia encerrar a lista senão com esse filme que só não concorreu ao Oscar porque a premiação possui um olhar unicamente americano.