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Os raios de luz, oriundos da natureza, resplandeciam todos os espaços que continham janelas, mostrando que não havia nenhum sinal de chuva para aquele dia.

A casa possuía um tamanho grande e confortável para a família de três membros que ali residia.

Na sala de estar, o ruído de automóveis rabiscando uma pista ao se movimentarem para lá e para cá, como pano de fundo para a narração de quem estava assistindo à corrida, comprovava que a competição estava emocionante para quem participava ativa e passivamente.

Na copa, um exemplar de Vade Mecum com múltiplas centenas de páginas escondidas por uma capa dura e bastante colorida decorava a mesa larga que Eva utilizava em um dia domingueiro.

Ela estava no progresso de seus trinta anos, com seu cabelo sphagetti quente, porém nada oleoso e/ou amarelo. Em vez disso, ela portava uma cor café desde sua raíz até às pontas de sua cabeleira.

Completando a decoração, Eva ainda usava a mesa como sustento para apoiar seus dois braços. Do lado direito, o famoso Vade Mecum. Do outro, uma tonelada de textos que pareciam já terem sido marcados por ela com o marca-texto azul. Agora, ela erguia a ponta da caneta até seus dentes, sinalizando que está raciocinando ao analisar mais um desses papéis da pilha à esquerda.

Eva se concentrava em cada documento que aparecia em suas mãos quando seu filho de cinco anos chegou até à mesa para se comunicar.

— Mãe! U que focê tá fazendu? — lançava com sílabas lentas, porém precisas, o menino de lentes claras com seu cabelo reluzido pela luz refletida sobre seu pequeno corpo.

— Oh, meu bebê! — expressava Eva, que por ora tirou seus olhos de cima dos papéis para focar em seu filho — Mamãe tá trabalhando nesses papéis aqui! — informava enquanto pegava o pequeno para pô-lo no colo.

— Mas eu quelo blincar! — indignava-se levemente a criança.

— Eu tenho uma ideia! — dizia Eva — Por que você não chama o papai pra brincar com um dos brinquedos? Ele tá lá na sala! — prosseguiu Eva quando já possuía o filho em seu assento corporal.

— Qual deles? — questionava o filho.

— Aaaaah, qual brinquedo?! Qualquer um deles… você tem tantos, né?

— Qual papai, eu quis dizer!

Eva abriu a boca para falar, mas confusão a penetrava de cima a baixo em decorrência ao que acabara de ouvir de seu filho de apenas cinco anos. Por isso, falhou em emitir um sonido. Decidiu pedir à criança para repetir a última pergunta só para ter a certeza de que estava ficando velha o suficiente para não mais ouvir lucidamente o que o filho dizia. Para sua surpresa, no entanto, a criança foi mais rápida ao fazer outra pergunta.

— Você não quer responder ou não sabe a resposta? — empurrava o menino com uma voz que sua mãe nunca havia escutado antes.

E, como um buraco negro, aquela cena ia se despedaçando aos poucos; até que o som de corrida de automóveis dava espaço para o ruído de uma televisão desajustada; até que a luz, que antes resplandecia todo o local, agora mostrava seu lado obscuro; até que a mesa que antes dava suporte aos braços de Eva, desaparecia lentamente, assim como o seu filho, restando apenas ela em cena; até que o ruído de TV dessincronizada dava vez aos ecos de sua tia.

— Vamo trabalhar um pouco… vamo, filha? — lançava a mulher mais velha no quarto.

Os passos pesados da tia e o barulho de cortina sendo movimentada precediam o que Eva já esperava: o raio solar quente, que deixava seus olhos verdes mais claros e sua pele mais oleosa.

— Só mais cinco minutinhos… — suplicava Eva enquanto puxava a coberta até o rosto.

— Cinco minutinhos? — A tia imitava Eva com sua voz de sono. Ela cruzou os braços e se sentou na cama de solteiro em que a sobrinha dormia. — Pois fique a madame sabendo que seu Ricardo já veio aqui bater na porta perguntando do dinheiro do aluguel… Eu tô avisando logo que dessa vez não vai ter como eu te ajudar a pagar, Eva!

— Ah é?! — ironizava Eva, agora sentada com a postura ereta e sem nenhum cobertor no rosto. — Deixa eu pensar aqui por que você não vai poder dar a sua parte no aluguel esse mês… AH! Será por causa do macho que você sustenta?

— A única pessoa que eu sustento aqui é você! — replicava a tia. — Eu não sei por que você tá resmungando tanto…

As palavras da tia provocavam, em Eva, um alerta de maior intensidade.

— Pra quem tem tanto dinheiro guardado no guarda-roupa, a miserinha do aluguel não é nada! — prosseguiu a tia.

Como um sapo que pula em panela quente, Eva se levantou da cama e guiou sua direção ao guarda-roupa. Sua primeira ação ali foi escarafunchar e contar cada cédula e moeda que tinha guardado.

— Uai, menina! Você não confia em mim não, é?! — questionava a tia, franzindo a sua enorme testa. — Eu não peguei nada daí não, viu?! Tá achando que sua tia é ladra, é?!

Mas a sobrinha ignorou a tia, pois estava compenetrada em contar todas as notas ali disponíveis.

— TU NÃO TÁ METIDA COM DROGAS NÃO, TÁ, EVA?! — indagou a tia, agora com um alcance de som mais potente, como se dessa vez não fosse permitir o silêncio como resposta.

— TIA, EU NÃO QUERO MAIS VER MINHAS COISAS SENDO MEXIDAS! — berrou a garota.

— UAI! MAS ERA SÓ O QUE ME FALTAVA! — gritava a tia para que todos os vizinhos pudessem checar, de suas janelas, a discussão fervorosa ali sendo feita — Você esqueceu que é eu a empregada dessa casa?! Eu que cozinho, eu que passo, eu que limpo, e mais importante… é eu que cuido de você! Então se você não quiser morar debaixo da ponte, é melhor seguir as minhas ordens!

De imediato, veio à mente de Eva questionar quem iria pagar o aluguel se ela não estivesse mais naquela casa, mas optou por permanecer calada a fim de não prolongar seu estresse.

— Deixa que do meu quarto cuido eu! — avisou Eva fortemente.

— Depois eu quero saber de onde vem esse dinheiro todo, viu?! — dizia a tia, levantando-se de seu assento e mantendo contato visual com a sobrinha.

— Tá, tá! Quando eu chegar falo com você tudo certinho… — prometia Eva, que levava a tia até à porta.

— Eu tô falando sério, viu mocinha?! — disse a tia ao chegar à porta.

— Pois eu também, uai! Agora deixa eu me arrumar que alguém tem que trabalhar nessa casa, né?!

E, assim, Eva trancou a porta do quarto, fechando com agressividade também os seus cílios. Sua altura tampava grande parte da porta enquanto ela ainda pressionava, com as costas, a entrada do quarto.

Quando abriu os olhos, se deparou com o calendário pregado à sua frente. Analisou todos os números que estavam circulados naquele papel e decidiu rabiscar mais um com a caneta posta no armário ao lado. Em seguida, passou o olho em todo o cômodo que, apesar de não ser grande, era acolhedor e confortável por ter a cor rosa como principal atração visual. Mas foi a luz que entrava no quarto, além da constante vibração de celular, que chamou a sua atenção.

— Merrrda! — cuspia Eva rapidamente ao notar o aparelho tecnológico.

Ela mudou o dinheiro, que sua tia havia mencionado, da gaveta do guarda-roupa para debaixo de seu colchonete.

Do guarda-roupa, ela tirou algumas roupas e foi direto para o banheiro, saindo de lá 30 minutos depois, cheirando a banho tomado.

Mais alguns minutos depois, ela estava na rua com seu salto preto, vestido rosa, óculos escuros que escondiam seus olhos esverdeados e sua marca registrada: o batom vermelho que deixava seus lábios formato triângulo mais chamativos que o normal. Já era cerimonialmente comum ouvir buzinas de carros e assovios de garotos quando ela desfilava. Então não se sentia mais intimidada por rapazes e mulheres que sempre soltavam “Ô lá em casa!”; “Vamo casar hoje, meu amô?”; “Doeu quando cê caiu do céu, minha anjinha?”; “Se eu te pego, te arrebento pela metade!” e algumas outras falas que a acompanhavam até o ponto de ônibus, lugar que Eva já tinha escolhido tacitamente como segunda casa.

Quando ela se sentou para esperar o transporte público, percebeu que talvez seu vestido estivesse um pouco curto e apertado, o que a fez classificá-lo como justo para o local para onde estava indo.

No ônibus, ela se sentiu mais vigiada do que o normal. Se perguntava se as pessoas sabiam para onde ela estaria indo, mas preferiu se concentrar em não perder o ponto – sonhar dentro do transporte já havia se tornado um hábito, o que outrora obrigaram alguns quilômetros de caminhada até o seu local de destino.

Eva encarava o local com inquietação. Uma casa aparentemente grande, mas com paredes implorando para serem pintadas nas partes onde a cor de lar velho já não harmonizava mais com o amarelo estampado em alguns pedaços da fachada.

Ela apertou a campainha e foi atendida por um velho de cabelos grisalhos batendo na testa e barba preta e branca escondendo suas bochechas, assim como boca e queixo.

— Pronta pra dar essa tcheca? — Ele cumprimentou Eva com um sorriso simpático, fazendo-a ficar surpresa ao perceber que ele ainda possuía dentes.

— Pronto pra dar meu cheque? — Ela contra-atacou, passando pela porta e dando de cara com o seu melhor amigo, Paulo, sentado com os braços relaxados sobre os encostos de um sofá branco.

— Você é rápido mesmo, hein?! — dizia Eva em direção ao amigo para um abraço.

— Ou será que é você a lerda? — riu Paulo, que continuava sentado, agora com os braços em volta de Eva, que, enquanto cumprimentava seu amigo, observava pílulas azuis espalhadas pela mesa em frente ao sofá.

— Ó! — exclamava o velho, parecendo não querer ser ofuscado pela dupla jovem e bonita que se destacava naquele cenário — Não é querendo ser chato não, mas você já chegou muito atrasada pra fazer seu showzinho!

— Ai, tá! — soltava Eva ao se descolar do melhor amigo.

— Deixa as folhas aí e vai logo se preparar! — ordenava o velho.

Eva vasculhou sua bolsa na tentativa de retirar algo dali, mas a demora foi o suficiente para que o velho a guiasse a um cômodo, que ela reconheceu como seu camarim.

O quarto que Eva adentrava possuía um formato retângulo tingido com tinta vermelha. Ela se apropriou da cadeira que avistou. Sentada, pôde se ver no espelho enorme pendurado na parede, lâmpadas cobrindo todos os seus lados. Mas a estrela já havia feito sua própria maquiagem em casa, então preferiu pôr os olhos na geladeira que o espelho mostrava estar atrás dela. Religiosamente, de lá ela pegou algumas latas de cerveja, que não conseguiram ser inteiramente aproveitadas por Eva devido ao som de socos na porta.

— Entra, Paulo! — recepcionava Eva, vendo o reflexo da cabeça do melhor amigo no mesmo espelho que trazia sua imagem derramando a bebida no copo descartável.

— Vim aqui pedir uma ajudinha! — informava o rapaz, deixando a porta escancarada.

— Diga aí! Não sendo dinheiro, aqui a gente ajuda com tudo! — alertava Eva, seus olhos ainda na bebida.

— Pô! Tô precisando daquela mesma ajudinha que você me deu na última vez! — dizia Paulo agora ao lado direito de Eva, passando a mão entre o pescoço e ombro de sua melhor amiga.

— Ixi! Dessa vez eu não vou poder te ajudar… — respondia Eva, tirando as mãos de Paulo do seu corpo — Depois daqui eu vou pra outro negócio e não posso me cansar tanto!

— É o que? — questionava Paulo, com tom de quem não esperava tal resposta. — A gente vai ter que fazer de qualquer jeito daqui a pouco mesmo!

— Tá certo… Daqui a pouco a gente faz então! — ironizava Eva, que certamente produziria um riso ostensivo se não fosse pelo copo que acabara de pôr entre os lábios.

— Ah! Deixa disso! — Paulo exclamava de forma persuasiva para relaxar ambos. Ele ergueu o braço de Eva como se esta fosse uma boneca inflável.

Quando Paulo raciocinou que Eva não se levantaria por vontade própria, decidiu que seria melhor carregá-la para o chão, especificamente onde o colchonete fino se encontrava.

— O que que você tá fazendo? — indignava-se Eva ao ser carregada pelo ar.

— Vamo fazer uma rapidinha só pra gente aquecer! — Paulo se lançava, sua visão travada no corpo de Eva.

— Mas eu já não disse que não quero, gente?! — repetia Eva como quem já não aguentava mais dizer a mesma coisa para a mesma pessoa.

Mas Paulo se fingiu de surdo mais uma vez e a próxima coisa que fez foi atacar os botões do sutiã de Eva, que a essa hora já estava no chão, acompanhada do vestido rosa que antes ela usava.

Eva sentiu uma enorme pressão no topo de suas pernas, o que, como reação, a fez ecoar gritos abafados naquela casa, que agora parecia vazia se não fosse pelos dois indivíduos ali.

O suor que Eva não impedia de transparecer em sua testa era resultado da luta que teve contra Paulo para que aquele peso, também suado, saísse de cima dela.

Então concluiu que nada que fizesse iria retirar o peso ali sendo imposto. Ela foi levada pela derrota. Paulo mais uma vez a venceu. E a ela só restaria evitar olhar para a calvície do homem para que a luz do teto pudesse ser contemplada. Pelo menos, Paulo e o seu peitoral estufado ainda não tinham tirado isso dela.

A luz cintilante em que Eva pôs os olhos a levou para sua primeira sessão de fotos. Seu rosto angelical e assustado com os flashes deixava indícios de que ela era nova no ramo, mas naturalmente talentosa.

Os pôsteres que estampavam a imagem daquela caloura não surpreendiam ninguém, já que ela estava direcionada a esse rumo devido ao talento que possuía frente às câmeras. A beleza que ela tinha era um presente de Deus e ela não podia ignorar tamanha oferenda, na visão da comunidade em que Eva morava.

Por isso, a única surpresa que Eva teve ao avistar a primeira banca de jornal que podia ter sua revista, foi ver alguns espaços da banca vazios, onde deveriam estar as outras revistas para as quais ela havia posado como modelo. Mas o mistério logo foi resolvido: toda a vizinhança queria uma recordação da modelo promissora, e por isso compraram a revista para que a estrela, nela estampada, pudesse autografá-la. E quando a revelação daquela cidade estivesse em lugares como aqueles pelos quais Gisele Bündchen passou, os vizinhos teriam como comprovar que a conheciam.

O riso tímido devido ao seu passado fantástico, a fez questionar quando aquela fama prometedora começou a dar errado.

Quando foi que sua carreira como modelo começou a ir ladeira abaixo? Quanto tempo mais teria que passar por situações constrangedoras? E a mais urgente: Quanto tempo teria que continuar sentindo o fardo de Paulo sobre o seu corpo?

No fundo, ela sabia as respostas para cada questão que levantou, mas antes que pudesse responder qualquer uma dessas, se desconcertou ao sentir uma enorme pulsação entre suas pernas, que logo foi seguida pelo som estrídulo de Paulo.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA.

Quando foi abençoada com a saída de Paulo dentro dela, Eva sentiu um odor que ela não sabia distinguir entre esperma e sangue. Ou talvez os dois.

— AAAAAAAAAAAA.

Paulo exclamava por fim, antes de se deitar ao lado de Eva.

— E corta! — gritava o velho diretor, ao mesmo tempo em que espantava Eva, que não havia notado a presença de ninguém, com exceção da dela e de Paulo, naquele quarto.

Uma câmera posicionada entre o casal e o diretor agora mudava sua luz de amarela para vermelha.

— Cena bem realista! Ótimo trabalho, vocês dois! Mas acho que a gente deve regravar a cena sem os gemidos da Eva pra não machucar os ouvidos dos espectadores.