— Thank God It’s Friday! — exclamava Vitor com a voz áspera e preguiçosa ao esticar os braços, ainda deitado na cama às 13h de uma sexta-feira. Para ele, não fazia mais diferença o dia da semana, pois já estava acostumado a acordar neste horário devido ao seu estado de férias. De qualquer forma, ele decidiu dar boas-vindas, dessa forma cultuosa, ao final de cada semana com o receio de perder o costume de celebrar e aproveitar o momento quando suas folgas zarpassem.
Ele preparou mais uns ovos com toucinho para o café da manhã, ou como ele gostava de chamar, bacon and eggs no brunch. E como sobremesa, ele tirou mais duas bananas do cacho posto em cima da bancada da cozinha e as levou para o seu covil.
Como passatempo enquanto comia, apertou o play para mais um filme proveniente de Hollywood. O cenário para essa película possuía comunalidade com todos os outros filmes que infestavam as férias de Vitor. Eles se passavam em New York, Califórnia, Chicago e outros tantos lugares de solo americano. Eram diferentes do local empoeirado, calorento e não muito populoso em que Vitor morava. Apesar disto, ele tinha favoritismo pelos personagens encontrados nesses filmes, que, embora não possuíssem nada em comum com sua tonalidade de pele, influenciavam os seus topetes, que referenciavam bastante as personalidades das telonas.
As personalidades também tinham gostos para o sexo oposto, o que Vitor já não se lembrava de possuir desde que se entendia como gente. Mas eles possuíam algo que ele já desejava desde muito cedo, e que se salientava mais a cada filme romântico, a cada canção de Christina Perri ou qualquer outro artista cujo principal tema de repertório era amor. Vitor estava à procura do amor. Mas não qualquer amor. Não o amor que seus primos e primas demonstravam ter a cada parceiro ou parceira que levavam a fim de apresentar à família no intervalo do almoço de domingo. Não. Não o amor que seus pais diziam ter um com o outro, mas que independente do evento ou motivo, nunca era demonstrado em público. Não. Vitor muito menos gostaria desse vai e volta que vários casais sofrem.
Na verdade, ele sonhava com o parceiro que o pegaria com um Camaro em sua casa, mesmo não tendo conhecimento para distinguir automóveis; ou que o levaria para degustar comidas saborosas em algum restaurante cinco estrelas. Ele queria reconhecer o aroma de romance no ar da mesma forma que as propagandas de fragrâncias, que ele cresceu vendo, exibiam.
Deitado em sua cama, acompanhando desatentamente os créditos do filme decorrerem, Vitor poderia visualizar sua caligrafia de cor vermelha se destacar no teto do seu quarto opaco. “WE ACCEPT THE LOVE WE THINK WE DESERVE” era o quote predileto originário de seu filme favorito. Ele olhava aquela mensagem toda vez antes de fechar os olhos, pronto para dormir. Era uma forma de internalizar uma segunda língua, ele havia se informado no YouTube.
Mas um efeito distinto tomou forma hoje. Ele penetrou sua visão naquela sentença e acreditou que tinha tudo o que precisava para alcançar tais metas em um relacionamento. Faltava pouco para se formar na melhor universidade do estado, como propagava orgulhosamente sua mãe na frente de todos; seu curso era Publicidade e Propaganda, o que lhe possibilitou uma vaga de emprego em uma empresa de prestígio; seus amigos também aumentavam sua autoestima ao elogiarem sua aparência, com o que ele discordava como primeira reação, mas, toda vez que se encontrava sozinho frente a um espelho, sentia que eles eram sensatos.
A idade, todavia, preocupava Vitor. Ele estava prestes a completar 22 e ainda não tinha ninguém para levar aos encontros de família. Um caminhão pesado descarregava sua despesa, repleta de ansiedade e desespero, na consciência de Vitor quando ele lembrou que 35 dias o separavam de seu vigésimo segundo aniversário. O sonho de encontrar um parceiro para começar a pensar em sair da casa dos pais, para então construir algo com sua alma gêmea, parecia estar se desvanecendo mais e mais.
Vitor, contudo, tinha um plano infalível para ter alguém ao seu lado quando soprasse as velas do seu próximo aniversário. Não apenas um plano, mas também o plano B, C, D… Quanto mais letras, maior a chance de dar certo, sugeria um ditado modificado por Vitor em sua mente.
Agora decidido em fazer o plano funcionar, ele abriu as cortinas que ofuscavam seu quarto. Luzes fulgurantes acampavam em seu cômodo, que agora revelava diversos pôsteres de popstars colados nas paredes. Então Vitor vislumbrou sua foto de formatura na estante. Todos com vestidos brancos fizeram-no se destacar automaticamente, sendo o único com sua cor negra delicada espalhada em toda a pele. Ver tantos companheiros homossexuais ao seu redor o fez ter certeza de que o seu plano daria certo. Deu certo para todos os seus amigos… Por que ele seria o diferentão?
Ele se sentiu empoderado, autônomo e independente ao instalar diversos aplicativos no celular quando notou que seu príncipe encantando não chegaria montado em um cavalo branco, como acreditara até certo ponto no passado.
Ele adicionou um C no meio das letras do seu nome, porque embelezaria mais a sua identidade e atrairia possíveis gringos, ele concordou consigo mesmo.
Então notou que as abordagens dos aplicativos instalados variavam de formas inusitadas.
No primeiro aplicativo, ele sempre tomava cuidado ao abrir a conversa de alguém que o chamava para papear, pois as chances de nudez eram gigantescas. Em seu plano B, os usuários sempre conversavam com Vitor caso eles o procurassem em primeira instância, mas o mesmo retorno não era estabelecido se Vitor ocupasse o posto de caçador.
Em sua terceira tentativa, as pessoas compartilhavam uma longa e burocrática polidez que se iniciava com “Oi. Tudo bem?”, mas logo partiam para “Quantos cm?”.
Vitor foi seletivo com as pessoas que tentaria algo para além da internet. Ele aceitou o convite de um garoto que conheceu em sua primeira plataforma. Ele já havia visto The Silence of the Lambs e outras dezenas de filmes sobre serial killers quando acertou o lugar onde se encontraria com o rapaz, um dia depois de o conhecer virtualmente.
Ao abrir o guarda-roupa para selecionar o melhor outfit para o primeiro encontro, Vitor ficou perdido entre as peças, já que as camisas possuíam genericamente o mesmo design: o rosto de uma celebridade americana com seu bordão mais famoso, com cores alteradas. Mas ele decidiu escolher algo que descrevesse melhor, ao companheiro de aplicativo, sua essência. Foi então que a camisa de bandeira britânica foi puxada do closet.
Eu tenho ascendência europeia! Ele explicaria algumas horas depois para seu novo affair, Davi.
Ele, assim como Vitor, possuía um topete moderno provavelmente também influenciado por alguma celebridade. Sua pele nívea combinava com as mechas platinadas em algumas partes de sua alta crina.
Eles estavam na fila do Starbucks quando puseram seus olhos para interagir pela primeira vez pessoalmente. Quando Davi cumprimentou o formando de Publicidade, este gostou mais ainda do que havia visto previamente na internet devido à prosódia americanizada que Davi lançou de seu nome.
— Hey, Victor! — Ele dizia com o cumprimento quase aspirado.
— Oi, Davi. Tudo bem? — jogava Vitor, apostando no mais simples, com anseio de arriscar qualquer pensamento que rondava sua cabeça agora.
Em seguida, sentados na mesa mais próxima, eles tomaram seus cappuccinos, que Vitor não gostava naturalmente, mas se propôs a tentar gostar após ler, na internet, que o gosto pela comida só é adquirido depois de exposição à degustação. Além disso, era chique ter um date no Starbucks. Ele possuía uma lista de casais ficcionais que deram certo seguindo essa estratégia, logo, se influenciar por eles seria a coisa certa a se fazer.
Acompanhado das múltiplas conversas paralelas de diversas pessoas com seus sapatos deslizando sobre o piso, Davi foi o primeiro a quebrar a quietude entre os dois.
— Mas então, tu estuda na federal também, né?!
Vitor balançou a cabeça para cima e para baixo enquanto erguia o copo até a boca. Ele precisou disfarçar a cara feia que faria caso estivesse sozinho após perceber que a bebida ainda estava quente.
— Porém na rural! — informou Vitor por último.
— E qual período que tu tá? — indagou Davi.
— Vou pro último agora! — respondeu Vitor, exibindo um sorriso com dentes escondidos.
— Qual curso mesmo que tu faz? — continuou o questionário Davi, provavelmente apostando que o papo entre os dois acabaria caso ele não tomasse iniciativa na conversa.
— Tenta adivinhar! — desafiou Vitor, colocando, no pires, a xícara que segurava para que Davi pudesse contemplar seu sorriso unilateral elevado — Tá bem… Vou dar só uma dica! — Vitor avisou após alguns segundos de silêncio, cogitando a ideia de que Davi não diria nada. — Sou de humanas!
— Física? — chutou Davi após olhares fixos em Vitor, que reagiu como se houvesse escutado que a resolução de 1+1 não se equivale a 2.
Vitor deduziu que Davi pôde entender a mensagem que seu rosto trazia, pois durante dois minutos ele mencionava um novo curso.
— Química? Não?! Enfermagem? Medicina? CALMA! NÃO DIZ AINDA! — ordenava Davi — EU VOU ACERTAR!
Mas não importava o quanto Vitor repetisse a frase “Eu sou de humanas!” para Davi. Ele só pode ter entendido que eu sou um ser humano como uma dica ao invés de ‘sou de humanas’, ponderou Vitor para si mesmo.
Foi quando Davi deu a sua última carta.
— Gastronomia?
Vitor, por fim, decidiu esconder sua cara de surpresa para não passar uma imagem de esnobe.
— Na verdade, eu faço Publicidade e Propaganda!
— AH! — Com um insight, Davi pulou da cadeira em que estava. — Era o próximo da minha lista!
Vitor duvidou que seria esse mesmo o curso que seu crush diria, mas decidiu não matar a dubiedade.
— Mas chega de falar de mim! Me fala um pouco mais de você! — pediu Vitor gentilmente.
— Bom, eu estudo Engenharia da Computação e trabalho como profissional de TI! — informou Davi.
— Sério?! Que chique! — elogiou Vitor com os olhos brilhando.
— Pois é! — concordou Davi.
— E onde tu mora mesmo? — Era a vez de Vitor se apropriar do questionário.
— Moro aqui em Jardim Botânico mesmo… Zona Leste!
— Na verdade, Jardim Botânico fica na Zona Sul! E aqui não é o Jardim, e sim Leblon! Por isso o nome do shopping ser “Shopping Leblon”. — corrigiu Vitor no impulso. Por fim, ele adicionou um tom suave em sua voz quando percebeu o que estava fazendo.
Davi levantou o braço e desvelou um tom rosado nas bochechas, o que foi embalado com um sorriso retraído.
— É o sono!
Se tinha algo que faria Vitor ter uma queda por Davi, essa coisa foi desenvolvida naquele instante.
— E falta quanto tempo pra tu terminar a graduação?
— Falta um pouquinho porque os professores da engenharia nunca são amigáveis, né cara? — informava Davi. — Bem diferente da escola que eu cresci estudando… Não tava acostumado!
— Ah é!? Onde tu estudou?
— Einstein. — Estava na ponta da língua de Davi.
— Ah ta! Que legal! — Foi tudo o que Vitor conseguiu expressar.
As informações que Davi lhe forneceu eram totalmente relevantes, ele concordava. Mas apenas para quem não havia stalkeado todas as redes sociais do novo crush e, consequentemente, não o ter estudando antes de encontrá-los. Não era o caso de Vitor, que poderia escrever um livro biográfico de Davi apenas com conteúdos retirados da web. Por isso, ele se lembrou de todos os filmes que passou assistindo nas férias e fez a mesma cara de surpresa que Meryl Streep faria caso estivesse atuando em um suspense.
A atividade de tomar café foi substituída por dar uma volta no shopping para que Davi pudesse escolher um presente de aniversário para sua mãe.
— E que dia ela faz aniversário? — Vitor fez a primeira pergunta do dia que realmente não sabia a resposta.
— 7 de julho! — respondeu rapidamente Davi.
— Sério?! — Vitor disse, fixando seu olhar em Davi. Ele não precisaria assistir a nenhum filme com Meryl Streep para saber como portar sua expressão naquele momento — É o dia do meu aniversário também!
— Ah é?! — se surpreendeu Davi enquanto caminhava. — Bom que tu tá aqui… Daí me diz o que vocês geminianos gostam de ganhar!
— Na verdade… — começou Vitor — Nós somos cancerianos!
— Ah, tanto faz! Nunca entendi nada de Astronomia mesmo! — justificou-se Davi.
Vitor tivera uma justa sensação de que Davi queria dizer Astrologia em lugar de Astronomia, mas decidiu ignorar a sensação com um sorriso empático a Davi.
— Acho que ninguém entende, na real… — mentiu Vitor. — Mas então, me conta sobre sua mãe pra eu pensar no que seria melhor pra ela! — Vitor viu dois pássaros sendo mortos com uma única pedra sendo traduzidos em comprar o presente ideal e conhecer a futura sogra ao mesmo tempo. Assim, o próprio presente que ele compraria para a sogra também seria adequado.
— Ah, mamãe gosta de coisas coloridas e trabalha como jornalista. — disse Davi.
— Que tal uma agenda personalizada? Ela é uma jornalista, né? Ela pode anotar todas as informações extraídas de uma entrevista… Ou de uma reportagem, talvez…
— Ótima ideia! — reagiu Davi. — O que é agenda personificada mesmo?
— É… Talvez só uma agenda já esteja bom! — respondeu Vitor, sem intenção alguma de corrigir mais uma vez seu crush.
De volta a sua casa, Vitor comemorou o primeiro encontro às cegas mandando uma mensagem a Davi, agradecendo a tarde que tiveram juntos.
“O prazer foi todo meu”, respondeu Davi. Foi o suficiente para que Vitor pudesse ter uma fé promissora naquele romance.
Aquele jeito desengonçado de Davi, junto com sua beleza tamanho 1,80, havia balançado Vitor, que agora tinha uma queda por um estudante de Engenharia da Computação. Ele refletia sobre o quão romântico seria andar de mãos dadas com Davi no campus em que estudava; ou apresentar o seu trabalho de conclusão de curso e deixar o namorado orgulhoso na plateia; ou levar Davi para sua festa de aniversário e apresentá-lo a toda a família como namorado. E havia ainda toneladas de outras ocasiões em que Vitor se visualizava ao lado de Davi, mas ele preferiu se deitar de bruços para que assim seu sono pudesse lhe visitar.
Os dias se passaram, e a cada mensagem que trocava com Davi, Vitor tinha a certeza de que aquela era a pessoa a trocar alianças no altar. Porém, ao contrário do sentimento de alegria que achou que teria, Vitor acabou sendo tomado pela convicção de responsabilidade que teria ao explicar, para todas as pessoas de aplicativos, que encontrou o crush ideal e que, por isso estava se despedindo dos espaços de paquera.
Ele ideava mudando o status de “Solteiro” para “Em um relacionamento sério” em suas redes sociais, o que certamente geraria certo burburinho em seus grupos sociais.
Mas, antes de fazer qualquer mudança em sua vida, ele obteve uma nova mensagem de Davi.
“Vamos se ver amanha?”
“Claro!” digitava Vitor após inúmeras piruetas resultantes da mensagem recebida.
“Eu fico disponível após 17h! E você?” Era óbvio para Vitor que ele não estava acessível apenas após 17h, mas sim durante todo o dia, pois estava de férias. Mas ele não precisa saber que estou disponível a qualquer hora que ele quiser! Justificaria Vitor se contasse o caso ao seu conselheiro amoroso.
“Ah! P vc eu to disponível sempre!” enviava Davi, fazendo seu correspondente se derreter, sentindo um boom de borboletas voando no estômago.
“Alguma sugestão para onde irmos?” cortou Vitor, como se não tivesse sido tocado pelo último texto de seu crush.
“Eu pensei em irmos ao cinema!” Vitor respondia em seguida a própria pergunta.
“Na verdade” iniciava Davi. “Eu queria fazer algo, mas só nós dois”.
Vitor hesitou antes de mostrar sua reação em forma de texto, mas finalmente o fez.
“Ah, mas eu não tenho local.”
“Agente pode usar aqui em casa” sugeria Davi. “Meus pais vão viajar o fds inteiro, aí agente aproveita”.
E estava pactuado o plano para o final de semana, o que conduziu Vitor a empacotar todos os itens necessários para dois dias incríveis ao lado do crush. Ele correu para o computador na intenção de baixar diversas comédias românticas para assistir com seu date, na companhia de pipoca e vinho, obviamente.
Quando a sexta-feira deu boas-vindas à noite, Vitor já havia se colocado em uma vestimenta oriunda da cultura pop. Foi quando recebeu, de Davi, mais uma mensagem, que, dessa vez, poderia ser considerada um textão.
“Cara, não me leve a mau, mais depois de conversar com uns amigos, eu acho que estamos em sintonias diferentes. Eu to a fim de curtir todo mundo e nao to pronto p um relacionamento sério agora, que é o que to sentindo que tu quer… então eu acho melhor agente ficar só na amizade antes que alguem de machuque”.
Múltiplas agulhas afiadas se agrupavam no centro do peitoral de Vitor. Ele leu e releu a mensagem diversas vezes antes de cair na real de que o amor havia escapado de seus dedos tão repentinamente. E o pior: ele soube, de imediato, que Davi não havia feito nada de errado. Apenas não havia sido tocado por Vitor da mesma forma que este havia sido por Davi. Ao menos, ele havia sido honesto ao respeitar os sentimentos de Vitor. Por essa atitude nobre do crush, ele se sentiu obrigado a responder Davi. “Tudo bem! Podemos nos tornar amigos sim, claro. Eu desejo toda a sorte do mundo para você! Felicidades!”
Um pedaço esquecido de casca de banana havia brotado no chão, e antes que Vitor pudesse tomar ciência do resto da fruta, sentiu seu pé deslizar no pedaço macio e escorregadio. Sem uma segunda opção, ele lançou seu celular na cama, que, por sorte, caiu ao lado esquerdo. Embora nunca tivesse rompido com nenhum namorado antes por nunca ter tido um relacionamento, Vitor sabia o que “ficar só na amizade” significava. Era o mesmo que “passa lá em casa mais tarde, linda!” significava para os seus conterrâneos.
No teto daquele quarto escuro, novamente a frase de sua filosofia de vida o perseguia. Seria ele azarado o suficiente para morrer sozinho igual Jão? Mas o desânimo logo fugiu de sua alma quando ele se reergueu do chão e se olhou no espelho.
— Tu merece alguém que te valoriza! — disse com uma voz mais grossa que o normal para o seu reflexo, erguendo o dedo indicador e apontando-o ao nível de seu peitoral — E mais importante: tu merece alguém que saiba a diferença de mais com i e mas sem i, ou a gente separado e agente junto! — respondeu o reflexo em última instância antes de voltar para o celular.
Se teve uma coisa que ele agradeceu por ter feito, foi ter ignorado sua necessidade impulsiva de excluir os aplicativos de relacionamento enquanto se relacionava com Davi. Agora ele poderia surfar com os dedos e a consciência livres para dentro dos aplicativos.
Dentre diversos rapazes, um homem chamou a atenção de Vitor. Seu nickname se dava por Carlos Lisboa e era 10 anos mais velho quando comparado ao formando de Publicidade — indicava a plataforma.
Sua pele suco de guaraná sugeria seu hobby favorito: relaxar na praia, o que era confirmado nas próximas fotos que Carlos havia disponibilizado aos seus visitantes.
Vitor estava indeciso entre olhar para as árvores, areia e água que faziam o cenário da foto, ou o modelo ali portado. Decidiu então prosseguir sua admiração visualizando outras fotos, mesmo que sem relevantes variações, uma vez que Carlos estava na mesma posição em todas as fotos: exibindo dentes brancos em contraste com sua pele; óculos escuros que impediam a revelação de seus olhos; uma pulseira de ouro na mão esquerda e outra no tornozelo direito; e, claro, uma praia distinta cheia de mata. O zoom que Vitor deu na foto para apreciar o corpo saliente de Carlos foi interrompido pela vibração de seu celular.
Os olhos vidrados de Vitor vibravam juntamente com o celular. Carlos havia enviado um “E aí. Blz?”.
Vitor não esperou para responder.
“Olá. Tudo ótimo comigo. E contigo?”
“Blz tb” Carlos respondia alguns minutos depois. “É de onde?”
“Zona Sul do Rio. E tu?” continuava o papo Vitor.
“Zona Leste. A fim de que por aqui?”
As mãos de Vitor tremiam ao ler a mensagem, feliz em saber que o seu interlocutor sabia utilizar corretamente a expressão “a fim”. Aquilo impulsionou, a ele, mais vontade de prosseguir a conversa.
“Estou a fim de tudo um pouco.” Vitor padronizava sua resposta. “E tu?”
“A mesma coisa.” Carlos respondia longos minutos depois. “O que vc curte?”
“Curto cinema. E tu?”
“Gosto de conhecer novos lugares… Principalmente praias, pela sensação de conhecer um lugar novo e fazer parte daquele lugar de imediato ao deixar uma parte minha lá, nem que seja uma pegada na areia…” Carlos fragmentava seu discurso.
As fotos de Carlos traduziam o seu último discurso, o que decepcionou Vitor por já ter juntado toda aquela informação antes, apenas apreciando as fotos. Porém, ele gostou do tamanho da mensagem, o que provava que Carlos estava muito interessado no papo. Vitor torcia para que não fosse apenas no papo que seu novo crush estivesse atraído.
“Mas vc curte cinema, né? Vamos assistir um filme amanhã?”
Com esta última mensagem, já não havia mais dúvida para Vitor. Uma nova jornada se iniciava.
“Claro. Que horas você está disponível?” perguntava Vitor.
“Vamos pegar a sessão de meia noite?”
“Meia noite não dá porque moro longe e não tem como voltar pra casa depois.”
“Para de ser doido. Te levo p/ casa depois.” insistia Carlos. “Vantagens de ser macaco velho.”
O relógio já apontava 22h quando Vitor respondia Carlos com “Então tá ótimo para mim!”. Ele não pôde deixar de pensar que, neste exato momento, ele estaria agarrado na coberta assistindo a “The Fault in Our Stars” com Davi o agarrando por trás e mais forte a cada cena dramática do longa-metragem.
Escaneando as três últimas horas na Terra, ele rotularia toda a sua jornada como uma montanha russa — tangível, mas ao mesmo tempo rápido demais para ser acompanhada. Mas ele decidiu que a emergência de Carlos caíra como uma luva em sua narrativa. A cada foto do novo crush, ficava mais difícil para Vitor acreditar na sorte que tinha tido para atrair um rosto tão lindo depois de perder um bonito. O futuro publicitário ouvia Style da Taylor Swift implorando ao universo para que Carlos tivesse os olhos de James Dean para que ele pudesse usar parte da letra da canção como legenda da selfie que o novo casal tiraria. Ele mal podia esperar o efeito que iria provocar no povo ao ver a fotografia do novo crush nas redes sociais, mas decidiu adormecer para que não assustasse seus seguidores devido às olheiras consecutivas de uma noite mal dormida.
No sábado à noite, Carlos avistou Vitor com um tênis allstar branco, calça jeans e uma T-shirt vermelha com ondas amarelas. Esboçando um sorriso, Vitor teve um déjà vu ao encontrar o crush numa fila, mas dessa vez o objetivo dessa fila era comprar ingressos de cinema. Carlos ergueu sua mão para cumprimentar Vitor, que a apertou calorosamente. No entanto, o universitário logo notou que a meta da extensão de braço era outra, já que Carlos permanecia com a mão aberta.
— A carteirinha. — Carlos mostrava sua voz áspera.
— Ah sim… Verdade! — dizia Vitor enquanto caçava sua identificação no bolso da jeans.
Eles não trocaram nenhuma palavra até chegarem ao caixa, quando Vitor viu a identidade de Carlos e soltou sorridentemente:
— Coincidência seu nome ser Lisboa enquanto o meu Brasil, né?
Mas Carlos parecia ocupado demais escolhendo os assentos do filme para se atentar ao comentário de Vitor. Agora eles possuíam bilhetes com os assentos O29 e O30.
— Esses lugares são os melhores para esse tipo de sessão. — informava Carlos com o primeiro sorriso que soltava.
Nos primeiros três longos trailers, devido à falta de claridade na sala, Vitor concluiu ser um enorme desperdício não poder vislumbrar a beleza do homem que estava ao seu lado. Carlos, por outro lado, parecia em casa. Ele desabotoou sua camisa e se aproximou cada vez mais de Vitor, que agora se perguntava se devia ou não pôr as mãos nos membros de Carlos. Mas antes de Vitor decidir, por si próprio, se era apropriado tocar em seu crush, Carlos pegou na mão dele e a colocou no zíper de sua calça.
Com esse sinal de permissão, Vitor lançou sua mão para debaixo da cueca de Carlos, o que o fez sentir uma parte mais abafada do corpo que tocava. Em segundos, porém, a ação foi interrompida por Carlos, que agora pegava na cabeça de Vitor e a abaixava até seu órgão genital.
Pego de surpresa, a única alternativa dele foi abrir sua mandíbula quando Carlos fazia de sua cabeça um balanço sem retorno.
Vitor contou, sonoramente, mais três trailers antes de ter sua cabeça erguida por Carlos, que, no momento, colocava seu órgão sexual melado para dentro de sua calça.
— Desce daqui a cinco minutos e me encontra no banheiro, beleza? — Carlos se levantava sem transparecer expectativa por uma resposta.
Cinco minutos depois, Carlos parecia orgulhoso por seu plano ter funcionado. Na pia com seus braços sobre o balcão de granito, ele ergueu a cabeça para avistar o dono dos passos que marcavam o lugar. E com olhares sugestivos, eles trocaram sorrisos que logo foram substituídos por saliva de ambas as partes. Vitor achou mágica a forma com que Carlos o conduziu para a cabine mais próxima mesmo estando com os cílios cerrados.
Mas enxergar no escuro não era o único superpoder que Carlos possuía. Após trancar a porta, ele já havia arrancado sua calça, logo partindo para colocou a mão de Vitor em sua cueca, demonstrando know-how suficiente para ser comparado até com o Flash.
Alguns segundos depois, Carlos colocava as costas de Vitor em sua frente, e a seguir arriou as jeans do parceiro.
Vitor só percebeu que estava sendo penetrado quando Carlos emitiu sussurros, que foram misturados por murmurinhos de Vitor quando este se sentiu obrigado a imitar seu affair.
A lixeira deixada no canto da cabine em que o casal estava já era familiar para Vitor. Olhar para aquele objeto, prateado e cheio de cortes, que cobria toda a sujeira daquele local, já era práxis de sua rotina. Por esse motivo, ele resolveu aproveitar o momento olhando para algo que não fosse a descarga ou lixo do cubículo. Foi então que se virou para enxergar o seu crush, mas foi surpreendido pela pulsação do órgão de Carlos, quem encostava seus antebraços nas costas de Vitor, ainda com as calças arriadas.
— Gostou? — perguntou Carlos ofegante.
— Uhum.
— Então vamos subir que ainda dá tempo de ver o filme! — ordenava Carlos enquanto suspendia as suas vestimentas.
De volta à sala de cinema, Vitor classificou o filme como interessante após perceber que todo o público estava vidrado na telona, o que fez com que seu crush e ele voltassem despercebidos para os seus lugares. Mas não demorou muito para que Carlos lançasse outro plano.
— Filme chato pra caramba! — Ele soltou — Quê que tu acha d’agente ir prum bar?
Como estava de carona, Vitor sentiu que não havia escolha senão balançar sua cabeça para baixo e para cima.
A quietude do percurso permitiu Vitor imaginar como a troca de ambiente faria com que ele ficasse mais à vontade com seu affair.
O problema deve ter sido a escolha do filme… Eu devia ter indicado A Star is Born! Mas agora também já era… Seus pensamentos transcorriam enquanto ele olhava para a janela daquele carro escuro e extremamente ambientado pelo ar condicionado.
— Chegamos. — avisava Carlos, que saía do veículo um segundo após encostá-lo.
Por falta de hábito, Vitor teve problemas para abrir a porta, mas logo manejou o truque de saída. Não rápido o suficiente para não perder o seu crush, que, por sua vez, já estava dentro do bar.
— Demorou, hein?! — observou Carlos com a mesma expressão facial de sempre, forçando Vitor a tentar um sorriso para suavizar o clima — Já pedi duas cervejas!
— Na verdade… — Vitor hesitou em confessar que não bebia nem refrigerante, quem dirá álcool. Mas responder o questionamento “mas como você se diverte?”, que ele tanto ouvia, seria mais doloroso do que qualquer bebida — Eu queria começar com algo mais leve… Candy Crush talvez? — lançou a primeira bebida que pairava em sua mente após o olhar penetrante que Carlos lhe deu.
Quando sua bebida chegou, Vitor fez questão de olhar para todos os lados a fim de ter certeza de que ninguém o observaria caso fizesse careta ao experimentar o drink. A segurança o cobriu plenamente, autorizando-o a levar seu copo até a boca.
A acidez fez, de sua garganta, um escorregador. O açúcar ofuscado, no entanto, mostrou uma luz no fim daquele túnel. Ele havia gostado tanto daquela junção que já estava em sua sexta rodada. Foi no mesmo instante que observou seu crush tomando lentamente cerveja.
Ele pensou em se dirigir até Carlos e dizer “Nós mudamos de lugar. Mas a vibe continuou a mesma”.
Em vez disso, ele soltou um “vou no banheiro”. Mas para o seu azar, o giro que planejava executar na banqueta não deu certo, e Vitor caiu de bruços próximo à cadeira de Carlos, que, por sua vez, se prontificou em ajudar o universitário a se levantar.
— Acho que já tá na hora da criança ir dormir. — Foi tudo o que Vitor conseguiu guardar como lembrança após ter sido socorrido por Carlos, sendo o rosto inchado de seu affair a última imagem que ele viu naquela noite.
No dia conseguinte, uma notificação de e-mail foi a responsável por abrir os olhos relutantes de Vitor. O sonido familiar o fez lembrar que as férias já estavam próximas de serem extinguidas, e o conteúdo da carta eletrônica apenas confirmava esta observação.
“Caros alunos,
Suas matrículas para o trabalho de conclusão de curso foram registradas com sucesso, e eu trabalharei como orientadora de vocês.
Por isso eu peço que vocês venham na minha sala na terça-feira nos horários abaixo listados para que eu possa planejar com cada um de vocês o trabalho a ser desenvolvido nesse semestre que se inicia em breve.
Seguem os horários:
Arthur – 14h
Vitor – 15h
Eduarda – 16h
Aguardo vocês na sala 15 do Prédio Miranda.
Atenciosamente,
Geiza.”
Deitado de lado e olhando obliquamente para o aparelho tecnológico, Vitor entendia que tinha sido dada a largada para a última etapa do seu curso, o que fez com que seus olhos se engrandecessem mais. Outra coisa que cresceu no publicitário quase formado foi o sentimento de irmandade e parceria que ele sabia que teria com seu veterano Arthur, que se tornou o favorito de Vitor após terem compartilhado algumas disciplinas. Havia tempo que não se comunicavam, mas Vitor estava convencido de que isso logo seria resolvido com as ideias e sugestões que eles poderiam dar um para o outro nesse processo de trabalho de conclusão de curso.
Ele se sentou na cama, pronto para se banhar e, posteriormente, devorar seu brunch, mas antes sentiu pregos sendo martelados em sua cabeça. Eu não sei como esse povo aguenta ressaca… Candy Crush nunca mais! Ele prometia mentalmente ao se levantar rumo ao banheiro.
No banho, Vitor cantarolava satisfeito ao perceber que tinha tópicos para aprofundar a conversa e intimidade com seu affair. Ele já tinha todo um script preparado. Primeiramente, iria agradecer a Carlos por todos os momentos da noite anterior. Em seguida, perguntaria como, milagrosamente, o seu crush o deixou em sua cama sã e salvo quando ele mesmo não se lembrava de absolutamente nada. Neste quesito, ele estava realmente ansioso para obter respostas. Todavia, teve uma surpresa ao notar que todo o seu contato com Carlos havia evaporado. Vitor não conseguia achar seu affair em nenhuma rede social existente.
Depois de toda a sua investigação à lá Sherlock Holmes, Vitor concluiu que estava sofrendo de ghosting.
— Sim… Sumiu, evaporou… Sem deixar um mínimo “obrigado por tudo, mas não vai rolar entre nós…” — desabafava Vitor no telefone para seu conselheiro. — Não, ele não era casado… Bom, pelo menos não tinha aliança no dedo.
Esta última decepção fez Vitor se afastar de seu objetivo primordial. Já que não poderia ter o homem dos sonhos, teria o prazer ao seu dispor. E não foi difícil encontrá-lo. Seu nome era Douglas e possuía local para satisfazer seus desejos, informava o perfil no aplicativo. Seu cabelo volumoso combinava com o motivo de Vitor se interessar por aquele perfil específico: a sunga que parecia justa para tamanho porte físico.
Sem perder mais tempo, Vitor iniciou o bate-papo com duas fotos que mostravam seu mais sincero objetivo naquela conversa. Para a sua felicidade, Douglas sinalizou estar com as mesmas intenções ao retribuir com imagens que comprovavam a hipótese de Vitor sobre o tamanho do seu órgão genital.
Mas o coito entre Vitor e Douglas só poderia acontecer dois dias após o primeiro contato que tiveram. Justo na terça que tenho compromisso pela tarde… Observou para si mesmo Vitor, que, como estava engajado em cumprir seus desejos, aceitou se desdobrar entre responsabilidade e hombridade. Até a terça-feira ele foi obrigado a imaginar Douglas em sua cama realizando uma performance de striptease.
Depois de preencher mentalmente as linhas de seu planner de como realizar todas as atividades da terça-feira, o estudante de publicidade chegou pouco depois de 13h à casa de Douglas. Um jovem colossal de 22 anos abria a porta para Vitor, apresentando um loft moderno com livros que cobriam todas as paredes, poupando apenas as poucas janelas do local. Vitor, contudo, não estava lá para escrutinar os detalhes da casa, mas sim os desenhos do corpo negro daquele rapaz másculo facilmente considerado sex-appeal.
— Chegou rápido, hein?! — Douglas soltava ao mesmo tempo em que expandia o sorriso. — Aceita água?
— Por favor! — sinalizava Vitor.
E quando Douglas apareceu com o copo cheio, soltou uma risada ao ver Vitor retirando do bolso um preservativo. — Não precisava trazer! — O dono do loft informava, na mesma hora em que entregava o copo a Vitor.
— Sorry, mas não faço sexo sem camisinha! — Vitor ditava antes de tomar seu primeiro gole.
— Muito menos eu! — rebatia Douglas. — O que eu quis dizer é que tem camisinha na cama. Quer ver?
Ao olhar para aquela cama redonda com lençol branco, Vitor razoou que, de fato, saíu tão rápido de casa que não teve tempo de raciocinar que Douglas poderia ter preservativo, além de um local para sexo.
Antes de soltar qualquer outro ruído, Vitor analisou a pintura de um símbolo do infinito dourado entrelaçando um coração vermelho, que ficava em cima da cama.
— Então… Pelas fotos que trocamos, acho que você é o ativo, né?! — checava Vitor antes de se jogar naquela cama.
— Depende… — Douglas ainda estava de pé.
— Depende do quê? — Vitor franzia a testa.
— De tudo. — respondia Douglas. — Do clima, do meu estado, do local, de tudo… Mas principalmente do cara. — explicava. — O que que tu quer que eu seja?
— Eu posso te mostrar! — Vitor deu sua primeira investida ao beijar Douglas e sinalizar que gostaria de companhia na cama. Ambos se deitaram objetivando também tirar as suas roupas. E quando fizeram, Vitor verificou que o órgão sexual do affair se compatibilizava com sua idade. Então transformaram qualquer membro do corpo em órgão sexual.
Quando o suor saiu de seu corpo, Vitor experienciou o resultado de ter poucas janelas em uma casa. Ele estava acoplado no colo de Douglas agarrando intensamente o peitoral deste quando soltou o primeiro som verbal.
— Isso… Vai… Mais um pouco pra esquerda… Isso… Assim… Vai Davi…
Douglas franziu as sobrancelhas, mas continuou a mexer suas pernas arrancando gemidos de Vitor, que faziam coro com os seus próprios.
Eles passaram mais alguns minutos trocando beijos e carícias até que o alarme no celular pontuou 14h20m.
— Mamãe chamando? — Douglas perguntava com o tom mais elevado, tentando competir com o volume do aparelho.
— É o despertador. — informava Vitor ao desligar o celular e voltar aos braços de Douglas. — Ainda bem que eu ativei ele… Senão eu teria perdido a hora aqui… — dizia antes de calar sua boca beijando Douglas — Tenho uma reunião às 15 horas na Seropédica, mas queria ficar mais!
— Ah, tu estuda na Rural? Eu também! — noticiava Douglas enquanto via Vitor vestir a sua calça — A gente pode trocar uma ideia depois quando tu voltar… Tem pipoca e vinho pra gente passar a noite e…
— Cara, não me leve a mal, — cortava Vitor. — Mas não é minha meta estar naquele aplicativo para arrumar um namorado… Foi maneiro o que fizemos hoje, mas agora eu quero apenas curtir a vida!
— Show! Eu também! — expressava Douglas. — Volte quando quiser! Vai ser bem-vindo! — prometia na porta de sua casa dando um abraço de despedida em Vitor.
— Pode deixar que volto sim!
Na selva onde estudava, o ar refrescante permitiu Vitor saltar alegremente como Bambi. A trilha sonora, composta pelo canto dos passarinhos escondidos por todo o campus, também contribuía para a aura descontraída do estudante.
Devido aos dez minutos de atraso, Vitor apressou os passos na passarela principal da universidade, pressionando os olhos o máximo que pôde quando desconfiou que conhecia o rapaz que sorria para ele a alguns metros de distância. E se sua miopia não o enganasse tanto, ele estaria encarando Arthur. O veterano favorito de Vitor possuía a mesma estatura dele. Além disso, seu cabelo parecia gêmeo ao de Vitor. Mas as semelhanças acabavam na cor de pele e olhos que os publicitários tinham. Enquanto o castanho de Vitor brilhava vivamente quando posicionado sob o sol, o azul de Arthur lembrava a camisa xadrez que ele vestia. Quando Vitor confiou em seu instinto, restando ainda alguns metros para se abraçarem, ele retribuiu o sorriso que o seu veterano lhe concedeu.
Quando Arthur dispensou o assento no banco em que estava para se levantar e cumprimentar o amigo, Vitor notificou que seu veterano possuía companhia. Mas não era qualquer companhia.
Puta merda, será que ainda dá tempo de fingir que não vi ele aqui? perguntava a si mesmo quando a troca de sentimentos o obrigava a guardar o olhar radiante que fazia antes de descobrir a existência deste par. Será que se eu fingir um desmaio, eles passam por mim sem me cumprimentar?
Tarde demais. Quando sobravam apenas cinco passos, ele se viu incinerado de ideias coerentes e se lembrou do quão gentil Davi havia sido antes de partir, então decidiu retribuir o gesto.
— Quanto tempo, Thur! — cumprimentava Vitor com um beijo no rosto do veterano.
— Sim! Te disse que era pra passar lá em casa nessas férias… Mas tu me foi? — correspondia Arthur.
Era a vez de se direcionar a Davi.
— Oi, Davi. Tudo bem? — Vitor esbanjou um sorriso espesso.
— Oi… Tudo bacana… E contigo? — Davi mostrava um sorriso estagnado.
— Ah, tô ótimo também! — Vitor agradecia mentalmente por cada filme de Reese Witherspoon que lhe ensinara a atuar.
— Ah, vocês já se conhecem? — Arthur adentrava na conversa.
— Já! — Davi e Vitor faziam coro, um olhando para o chão e o outro para as plantas ao redor do trio.
Davi percebeu a quietude que aquele coro havia trazido para a conversa e resolveu amenizar o constrangimento.
— E o que que cê tá fazendo aqui? — Davi continuava com o costume de fazer questionários, Vitor observou.
— Eu estudo aqui, né?! E tu?
— Ah, só vim trazer ele pra uma reunião mesmo! — Davi trouxe finalmente Arthur para a conversa. — Mas já acabou…
— Ah, é?! Que bacana… — Vitor tentava se consertar. — E então, como foi a conversa com a Geiza?
— Ah… Foi bacana! Ela mostrou o cronograma que vamos cumprir até o deadline e me deu uma lista de livros pra eu ler durante o semestre! — Arthur informava. — A gente só precisa ter um pouco de paciência porque o timing dela é diferente, né?!
— É… — soltava Vitor checando o horário do celular. — Acho que vou entrar porque já tô um pouco atrasado!
— Vai lá! — levantava mais uma vez Arthur para dar um último abraço em Vitor, que retribuiu o afeto na mesma intensidade.
— Tchau. — dizia Vitor a Davi.
Antes de contornar o corredor, Vitor sentia quatro olhos o perseguirem até entrar finalmente no prédio Miranda. Um longo corredor o afastava da sala da sua orientadora, o que lhe concedia tempo para bolar diversos links e possíveis teorias de como esse novo casal havia se formado.
— Pode entrar! — dizia a voz de sua orientadora depois de ouvir o contato de três murros leves em sua porta de alumínio.
Vitor encontrou Geiza sentada em frente a uma mesa de computador, revezando e utilizando intensivamente o teclado e mouse. Quando ela se virou, seu orientando viu uma mulher em seus quarenta anos sorrindo, os óculos de profunda espessura quase não permitindo Vitor vislumbrar os olhos verdes que ela possuía.
— E aí, rapaz! Vamos trabalhar? — Ela disse de imediato, oferecendo a cadeira a Vitor.
— Claro…
— Mas Meu Deus! Você está suando muito… Tudo isso por causa do sol? — Geiza observou quando o orientando se aproximou mais.
— É… — mentiu Vitor enquanto passava as costas de sua mão na testa.
— Deixa eu pegar uma água pra você! — Geiza se levantava solícita para pegar água do recipiente, ainda em sua sala.
O barulho de líquido sendo despejado em copo plástico fez com que Vitor tivesse a certeza de ter escolhido a orientadora certa.
— Mas então, — Geiza reiniciava a conversa ao entregar o copo a Vitor, que em três segundos já o havia esvaziado — O dia de hoje é apenas pra eu explicar pra você como vai funcionar o nosso cronograma e todas suas obrigações que devem ser cumpridas de acordo com o deadline estabelecido.
Geiza tirou, de sua gaveta, uma folha organizada por uma tabela detalhada com datas e títulos e a pôs no colo de Vitor.
— Como você pode ver, hoje eu gostaria que você me contasse o que pensa como tema pro seu TCC.
— Então… — Vitor se endireitava na cadeira de ferro — Eu quero comparar talvez as formas de como… — repetiu a palavra “como” algumas vezes antes de se calar e olhar, sem querer, para os papéis à sua frente, como se eles pudessem ajudá-lo a completar o seu discurso. — “Freelancers!” — exprimiu por último, estalando os dedos como se tivesse aprisionado a palavra em sua mão com medo de perdê-la. — Eu quero analisar as formas de como freelancers na nossa área trabalham hoje e como trabalhavam há um tempo atrás.
— Por um tempo atrás você quer dizer na minha época, né?! — ria Geiza, obrigando Vitor a acompanhá-la. — Engraçado como são as coisas… — Ela continuou — Lá em 2000 quando você não era nem nascido, a gente nunca podia imaginar que ia ter uma mudança tão brusca no mercado em relação aos freelancers…
Vitor considerou dizer que já tinha 3 anos em 2000, mas sua orientadora demonstrava uma empolgação tão grande ao prelecionar tudo daquele tempo que sentiu ser mais aconselhável não interrompê-la.
— Mas então… Vamos ter foco! — ordenava Geiza com ambas as mãos esticadas sobre o ar no nível de sua cintura. — O seu tema é totalmente relevante para entendermos como o Market atual funciona! — E a partir dali, Geiza exibiu sua concentração ao bombardear Vitor com diversas informações.
Ele anuía a cada palavra que a orientadora dizia. A despeito disso, só pôde direcionar sua atenção à lista de títulos e referências que a orientadora criou para que ele lesse e utilizasse no trabalho final.
Já em casa, ele não sentiu remorso ambiental algum por gastar 30 minutos no banho. Ele tinha consciência de que as lágrimas que se misturavam na água eram mais de raiva do que de tristeza.
Vitor estava absorto no sofá quando colocou o home theater para funcionar, objetivando fazer com que a música alta apagasse qualquer pensamento que fervia em sua cabeça naquele momento. De todas as canções que poderia ter escolhido, o smash hit Thank u, next era a mais adequada. Esperando o delivery chegar com o hot dog, ele não se lembrava da confortabilidade do sofá retrátil e inclinável de sua mãe até sentir a matéria macia engolir todo seu corpo. Desejou que a mobília levasse sua alma também.
Entretanto, na realidade levou um susto ao descobrir que o responsável por tirá-lo do transe não foi o som de buzina, como tanto desejava que fosse. A chamada de FaceTime de seu conselheiro o obrigou a abaixar o volume de seu hino contemporâneo.
— Oi, tio Hugo! — disse Vitor a um homem cuja melanina era mais forte que a do sobrinho.
— Ei, Vitor! Como você tá? — perguntou o careca.
— Tô bem. — mentiu Vitor. — E você?
— Queria dizer que também, mas não quando meu sobrinho mente para o próprio tio. — disparava Hugo. — Quer enganar macaco velho, é?
Vitor soltou o primeiro sorriso sincero desde que saíra do lar de Douglas.
— Vamos. Me conta o que te aflige… Ou vou ter que dar uma de Tonico Arzão analisando seu tom de voz?
— Que que é Tonico Arzão? — Vitor viu uma chance de zarpar do assunto principal.
— É um detetive muito famoso da literatura brasileira. — informava Hugo.
— Tio… — Vitor levava a mão até a testa. — Só se for da sua época… Pelo amor de Deus… Quando tu quiser usar esse meme de investigação, usa um cara chamado Sherlock Holmes porque ele é muito mais meme que esse aí que tu falou!
— Oxe, bicha. Olha pra minha cara e me diz se tu acha mesmo que eu tô interessado em meme! — desafiava Hugo. — E para de me enrolar e diz logo porque você tá triste!
— Tu acredita que eu vi o Davi pegando um amigo meu?
— Que Davi é esse? Aquele que foi no cinema só te pegar?
— Não… Esse é o Carlos! — pontuava Vitor — Davi é aquele que não sabia a diferença entre Astronomia e Astrologia.
— Ah! Lembrei! Mas gente… as gays dessa geração são muito rápidas pra trocar de macho… É muito difícil de acompanhar… Deus me livre! — reclamava Hugo.
— Eu não troquei ninguém… — Vitor se defendia. — Eles que me dispensaram!
Hugo lançava um olhar céptico ao sobrinho.
— E com 7 bilhões de pessoas no mundo ele vai pegar logo quem? Um amigo próximo de mim! — Vitor tirava do peito todo o pesar que estava carregando, como se fosse um catarro — Enquanto isso, o babaca aqui dispensando qualquer pessoa que possa ter ligação com ele só pra não magoar ele!
— Bebê, eu acho nobre você agir dessa forma… pensando no quanto pode magoar o próximo… — opinava Hugo — Mas não espere que os outros façam por você aquilo que você faz de bom grado pra eles!
— E o pior é que eu nunca via a pessoa… — Vitor ignorava o tio — Agora que ela namora um amigo meu, é capaz de eu ver ele todos os dias na faculdade! Sem contar que ainda vou ter que cumprimentar pra fingir que sou maduro e superior e etc!
— Ué gente, não é você a pessoa dos memes? Esses dias eu vi um que dizia “Não sou obrigado a nada!”… Vê se começa a ver os memes certos pra sua vida… Porque esses daí que você me manda não tem efeito nenhum!
— Eu queria era ser aquelas pessoas que não sentem amor… — Vitor sonhava acordado. — Queria ver se teria algum problema na minha vida!
— O problema dessas pessoas que não sentem amor é justamente não sentir amor. — retrucava Hugo. — Quantos anos você tem mesmo?
— 21. — respondeu secamente Vitor.
— Jesus… — repreendeu Hugo. — Vinte e um anos e já querendo desistir da vida?
— Deus me dibre desistir da vida! — reprovava Vitor. — Quero desistir é dos machos que entram na minha vida.
— Menos mal! — disse Hugo. — Mesmo assim, você é uma criança ainda… Desculpa dizer, mas você vai se decepcionar muito ainda na vida… Só tome cuidado para que não seja você a sua própria decepção.
No meio da manifestação de Hugo, Vitor ouviu um sinal que fez o tio se levantar do assento onde estava.
— Deixa eu ir que os presentes que você vai ganhar de aniversário não vão ser pagos comigo sentado em um banco de aeroporto conversando. — Hugo dizia enquanto caminhava.
— Depois me conta como tá Paris!
— Engraçadinho você, né?! Não quer me contar dos machos que pega, mas quer saber dos lugares que eu piso, né?! Vê se pode, gente…
— Tchau, tio! — dizia Vitor censurando o riso.
— Tchau, moleque! — retribuía Hugo — Levanta desse sofá e vai trabalhar!
Logo depois de perder o tio de vista, Vitor ouviu a buzina sinalizar que seu lanche havia chegado.
Finalmente os refrescos! Pensou enquanto devorava o fast food.
Satisfeito, Vitor sentiu o drama de sua vida se incinerar gradualmente. Ele culpou a fome como principal fator de sua crise e comemorou a mudança de clima postando uma fotografia antiga de seu corpo, revestido apenas de sunga, nas redes sociais. O post resultou não apenas em um like recebido na foto, mas diversas outras antigas e recentes imagens que Vitor concedia em seus catálogos. O que deixava o comunicador quase formado mais curioso era notar que todo esse feedback vinha de uma única pessoa. Se os likes nas fotos eram uma forma de clickbait para que Vitor visitasse o profile do rapaz, essa forma era eficaz. O plot twist, todavia, veio quando Vitor reconheceu o moço depois de três fotos, tentando se lembrar de onde o conhecia a ponto de segui-lo nas redes sociais.
Cara… Lucas ficou muito bonito com a barba cheia! Ele opinava mentalmente ao encarar o jovem de cabeleira e barba negra que se opunham à pele clara.
Em um passado não tão distante, Arthur havia apresentado Vitor ao estudante de nutrição Lucas Furão, sem pretensão de formar um casal dali. Era apenas a comemoração de 22 anos do veterano de Vitor, e esse não conhecia ninguém naquela festa. Foi quando Arthur indicou Lucas, que também parecia uma ponta solta, a Vitor. A amizade de poucas horas gerou reciprocidade somente nas redes sociais, mas se o universitário adivinhasse a mudança no rosto de Lucas de angelical para tropical, o quase publicitário não teria perdido o contato do moço.
Vitor recordou o bate-papo que acabara de ter com o tio ao clicar na opção de like nas fotos contempladas, retribuindo o gesto sugestivo que sentiu vir de Lucas.
A investida direta de Vitor, porém, só veio alguns minutos mais tarde quando Lucas atualizou seus stories exibindo o peitoral espesso e tanquinho trincado. Mas ele era humilde o suficiente para mostrar coisas pequenas também, como o seu iPhone preto, que mostrava os armários verdes por meio do enorme espelho de vestiário onde Lucas se concentrava no registro visual.
“Como você fez para usar a máquina do Capitão América?” soltou Vitor na esperança de que Lucas entendesse no combo de piada e a indireta.
“Cara.” iniciava Lucas “P ser bem sincero, o mais difícil foi achar um Dr. Abraham Erskine… Depois tudo ficou fácil!”
“Tô lendo Whey protein no lugar de Dr. Abraham Erskine.” brincava Vitor.
“Que Whey protein o que, cara… O negócio foi muita batata doce e treino pesado!”
“Tô querendo esse treino pesado também!”
“Posso te passar uma série em troca do seu whatsapp. Que tal?”
E trocando de rede social, a junção de duas pessoas avulsas estava formada.
Vitor se expressava interessado nos exercícios que Lucas lhe passava, ainda que duvidando que um dia ele faria qualquer exercício sugerido. Quem sabe quando porcos voarem? Cogitava Vitor enquanto aguentava toda a conversa de quantas proteínas teria que consumir por dia.
Quando a conversa sobre ovo, batata doce, whey protein, alimentos lights e treinos tinha morrido, Vitor sentiu que seu background a respeito de nutrição havia se expandido. Mas ele estava mais contente em finalmente ver florescer a oportunidade de investir diretamente em seu novo crush. Lucas, todavia, se mostrou mais engenhoso do que o publicitário nesse quesito.
“Mas então… Um passarinho me contou que teu aniversário é exatamente daqui a uma semana…” Lucas dizia como se ambos não soubessem que o passarinho em questão era Arthur “Vamos no shopping comemorar? Lá eu compro um livro de nutrição pra tu ler… Posso prometer que ele vai ser mais didático e menos emocional que eu.” propunha Lucas com três emojis de risos no final do convite.
“Claro!” Vitor aceitava lembrando que realmente faltava uma semana para que o seu vigésimo segundo ano chegasse.
Com o decorrer do tempo, Vitor achou que teria dificuldades em flertar com Lucas, considerando que este só se empolgava para falar de tópicos relacionados à Nutrição. Mas o universitário estava equivocado, principalmente na segunda parte. Lucas se animava para falar de diversos assuntos que interessavam a Vitor também. Eles ficavam horas teclando e mandando áudios um para o outro sobre heróis, livros, cinema e música – tudo o que Vitor gostava de consumir para preencher seus dias.
— Comassim tu não gosta de Marília Mendonça? — Lucas sempre enfatizava lentamente a primeira palavra em seus áudios, Vitor notou.
— Num mundo com Taylor Swift, tu acha mesmo que eu vou gastar meu tempo com sertanejo? — Vitor retrucava debochadamente apenas para provocar seu remetente.
— Mas é exatamente isso… tu sabe que tá sendo incoerente, né? Ouve “Como Faz com Ela” que eu quero ver tu arrependido por esse tempo todo pagando pau pra gringo!
— Deus me dibre!
— Não quer ouvir porque sabe que eu tô certo… Tô de olho! — Lucas adicionava emojis em sua mensagem.
Os diálogos com Lucas eram tão jocosos que Vitor não sentiu necessidade de frisar o seu interesse romântico. Todavia, de vez em quando, o universitário era surpreendido ao pensar o quão irônico era o destino, que o fez procurar pelo seu futuro em diversas plataformas, quando este não estava disponível em nenhum desses lugares.
Tio Hugo também ficou a par desse novo crush de Vitor.
— Realmente… Se ele indicou Marília Mendonça pra você, é porque é um garoto muito bom, mesmo! — opinava Hugo.
— Pois é… Mas eu não vou criar expectativas dessa vez! — prometia Vitor.
— Oxe… Bobo é tu! — rosnava Hugo antes de sua prelação — Para de se auto sabotar, garoto! E vai aproveitar o momento! Se tu tá gostando dele, vai fundo! E se ele for mais um… Bom, sempre vai ter livros pra gente se livrar desses “mais um”!
— Fácil ser solteiro em Paris, né?! — provocava Vitor.
— Fácil ser solteiro em Paris, Londres, Rio, Brasil, Colômbia… Em qualquer lugar! — completava Hugo. — Até onde eu sei, livros são universais, graças a Deus!
— Sei…
Mais seis dias se passaram e, com eles, o desenvolvimento da relação entre Vitor e Lucas, quando aquele foi despertado pelo tio.
— Ai, credo! — lançava Hugo através do FaceTime, ao ver o sobrinho desgrenhado — Espero que a cara seja de quem acabou de acordar e não de quem chorou a noite inteira!
— É claro que eu acabei de acordar… — Vitor exibia sua voz dura enquanto ainda estava enrolado em lençóis.
— Eu só não vou te gongar porque hoje é o seu aniversário… — Hugo disse — Feliz aniversário, sobrinho lindo do tio!
— Obrigado, tio! — agradecia Vitor ao passar a mão no cabelo.
— Seu presente eu pedi pra sua mãe deixar na porta do seu quarto… Ela deixou?
Vitor olhou involuntariamente para a porta e viu, na maçaneta, uma camiseta preta com estampa da Marília Mendonça. Ele riu, fazendo seu tio dominar a conversa novamente.
— Use bem porque eu paguei caríssimo pros correios acharem sua casa a tempo depois da última conversa que tivemos. — dizia Hugo. — O próximo passo é ler um Machado de Assis, Clarice Lispector e etc!
— Quem sabe ano que vem tu não me pega lendo o Tonico lá? — Vitor apresentava uma voz menos rouca.
— Aproveite o dia e vê se não depende tanto de macho pra se divertir, hein?!
— Pode deixar! — prometia Vitor antes de desligar.
O fim da chamada possibilitou Vitor perceber que seu tio não foi o primeiro a lhe desejar congratulações. Lucas havia esperado a virada do dia para deixar um texto.
“Espero que esteja sonhando com a Marília Mendonça, academia, herói, ou até comigo, rs.
Feliz aniversário Vitor! Muita paz, saúde e sucesso pra você, pois é um cara incrível que merece todo o mundo.
Que Deus te conceda tudo de melhor nesse mundo!
Muito grato por Arthur nos ter apresentado um ao outro. De vez em quando ele acerta demais!
Durma bem! Te vejo mais tarde.
Beijão!”
Vitor considerou respondê-lo, mas achou melhor agradecer tudo pessoalmente depois de trocarem beijos. Seria mais romântico, ele assentiu.
Tocar na sedado presente que seu tio lhe deu, formava um insight na cabeça de Vitor. Ele se encapou na mesma bermuda que vestira há uma semana. De inédito, porém, ele decidiu agregar a camisa da Marília Mendonça à sua moda fashion para fazer uma surpresa ao crush.
Ainda pensando em impressionar seu affair, Vitor optou pelo mesmo veículo que Lucas provavelmente escolheria para ir ao shopping. Assim, poderiam voltar juntos de bicicleta.
Vitor gostou de chegar cinco minutos antes do horário que havia acordado com Lucas. Dessa forma, ele pôde se recompor dos vinte e poucos minutos que havia voado com sua bike predominantemente verde com selim e guidão azul e de cesta amarela.
Como Lucas demorou a justificar o seu atraso, Vitor foi à procura da livraria onde havia combinado de se encontrar com ele. Lá, o publicitário tinha certeza de que sairia com um livro de nutrição como presente, mas se empenhou mais ainda em confiar que ganharia mais que um exemplar como símbolo de aniversário.
A livraria poderia ser facilmente confundida com as paredes da casa de Douglas se não fosse pela sua grandeza, percebeu Vitor ao fitar as quase centenas de estantes separadas por gêneros e públicos textuais dissemelhantes.
Vitor lançou uma olhadela em cada aba em que passava, mas somente os livros pertencentes à aba “Literatura Brasileira” conseguiram receber o toque dos seus dedos. Analisou, então, alguns títulos e suas capas antes de encontrar “Quem Matou Pacífico?”. Ele sabia que era esse o livro que seu tio Hugo tanto se referia e, por isso, decidiu dar uma chance ao romance policial.
O publicitário resolveu dar descanso às pernas após se interessar pela sinopse do livro, ocupando a mesa redonda de plástico antes abandonada.
Ao chegar à vigésima segunda página, Vitor compreendeu o motivo do tio persistir em utilizar referências de um livro de 1969. Mas uma espiada no relógio na parede da loja o obrigou a verificar, no celular, se Lucas havia deixado algum indício de sua presença.
O publicitário tamborilava inquietamente sobre a mesa com um cenho irascível quando percebeu que não recebera uma resposta.
A dúvida de ligar ou mandar mensagem pedindo justificativas o sitiava da mesma forma que os livros daquele estabelecimento o cercavam. Por último, ele decidiu por áudio.
— Oi, Lucas. Tô te esperando já faz meia hora… — Vitor tentava manter toda a polidez com receio de uma possível rusga com seu crush. — Você recebeu minha mensagem falando que eu tô aqui na Saraiva?
Entretanto, cinco minutos olhando enervantemente para o áudio enviado contavam para Vitor que a mensagem não havia nem chegado ao seu destinatário, embora o serviço de internet estivesse funcionando perfeitamente para o universitário.
Ele abrigou o aparelho tecnológico no bolso e sentiu um papel surrado recôndito no tecido que compunha a bermuda. Então sacou o papel que revelava os títulos que sua orientadora havia lhe recomendado como bibliografia para o trabalho de conclusão de curso. Foi quando se arrancou do arrimo que lhe serviam os braços, indo em direção à sessão de publicidade, carregando consigo o livro favorito do tio Hugo.
Desde então, Vitor só utilizou o celular para calcular a soma dos livros que conseguiu localizar.
Na fila para o caixa, ele sentiu borboletas brincarem em seu estômago ao pegar seu cartão e escolher, por si próprio, quantos meses viveria pagando essas compras. Chegando mais perto da atendente sorridente, Vitor fitou também uma grande grade que servia de moradia para diversas revistas. Dentre elas, uma de nutrição prometia trazer saúde ao leitor sem que este percebesse a falta de gordura no prato. Depois de alguns minutos naquela loja, Lucas voltou a rondar sua mente. Será que era essa revista que ele me daria de presente? Vitor refletia. Sem uma resposta precisa, ele tirou a revista do arrimo e a levou até a caixa, que continuou a sorrir uniformemente quando começou a passar as compras de Vitor.
— Pode passar todas, por favor! — disse Vitor, devolvendo o sorriso à atendente.
Em seu fone de ouvido, Thank u, next o acompanhava enquanto ele colocava os itens adquiridos na cesta de sua bicicleta, que soube comportar os visitantes perfeitamente.
Hugo tinha razão… Vitor raciocinava ao montar no selim do veículo. Não há motivos pra não criar expectativas de coisas boas da vida… Ele apontou os olhos em direção aos livros. É bom que esses livros sejam bons à altura do que Geiza recomendou!
Forçando o pedal da bicicleta, Vitor não pôde parar de embalar seus pensamentos.
Um cinema agarradinho depois do expediente… Um café esclarecedor no sábado e um sexo casual para começar a semana têm seus próprios valores. Mas nenhum deles se compara às vantagens de ter a cama toda para você rolar… rir… E roncar à sua própria vontade! Concluía ao se equilibrar na bicicleta sem o apoio do guidão, ignorando as casas coloridas que agregavam valor à rua em que passava.
Dispensar as mãos a fim de ir ao encontro do pouco e distante sol que iluminava a longa rua trouxe um hobby e habilidade que há muito tempo ele não se recordava possuir.
