Sim, estou ciente do quão problemático essa lista pode ser, vindo de uma pessoa que tenta a todo custo desafiar o status-quo quanto à literatura norte-americana e europeia em detrimento da brasileira.
Porém, acho que a minha graduação em Língua e Literatura Inglesa pode explicar o motivo dessa lista ter apenas um conto escrito por uma brasileira.
Sempre vou levantar a bandeira de que temos escritores tão talentosos como os norte-americanos ou europeus, e espero que, na continuação dessa lista, os contos por brasileiros sejam maioria. Creio que estou caminhando para este objetivo: O Reading Club – projeto de extensão da UFES onde se lê e discute contos escritos em língua inglesa por mulheres foi o primeiro clube de leitura que participei, mas durante a quarentena, descobri outros que tinham como objetivo fomentar a literatura brasileira – daí onde conheci Conceição Evaristo.
Antes de mostrar o meu top10 contos, gostaria de ressaltar que tentei equilibrar gosto pessoal com aprendizagem literária. Assim, não necessariamente o número 1 é composto pelo meu conto favorito de todos os tempos, assim como o último lugar da lista pode não ter me ensinado tanto quanto o quinto, por exemplo.
Sem mais delongas, seguem os contos e minhas experiências com cada um deles:
10. Hills like White Elephants, por Ernest Hemingway
Abrindo o meu top10, “Hills like White Elephants” é o conto menos acessível possível, se comparado a outros que farão parte dessa lista. Mas é justamente o fato do autor brincar tanto com nossa interpretação que eu amo tanto este conto.
Me lembro de estar em uma aula de Literatura Americana Moderna lendo a estória e não entendendo nada dessa narrativa de quatro páginas, e olha que, julgando pelas palavras utilizadas, um aluno iniciante de inglês poderia facilmente entender o conto pelo contexto. Contudo, fiquei impactado quando a minha saudosa professora passou a contar a sua interpretação do texto.
De pouquinho em pouquinho, tudo começou a fazer sentido.
Este é o tipo de conto que a gente não diz nada a respeito do seu enredo para não influenciar a interpretação que pode ser tirada dele. Mas hoje, depois de várias análises, faz total sentido o tema abordado ser tão distante para o público. E essas múltiplas interpretações de diferentes óticas são realmente uma magia que a literatura pode proporcionar a quem a usufrui. E é por isso que eu não poderia iniciar essa lista senão com Ernest Hemingway.
9. A Rose for Emily, por William Faulkner.
Sob a perspectiva em primeira pessoa no plural de um personagem indecifrável, este conto acompanha o declínio da personagem Emily até a sua morte.
A principal razão para eu ter escolhido este conto como um dos meus favoritos está mais nas técnicas usadas que, na minha opinião, são bem inovadoras. A quebra de linearidade nos próprios capítulos – que intercalam presente e passado – é um sinal para isso.
Foi também a partir deste conto que eu observei uma técnica que eu iria recorrer bastante: desde o início da estória o autor planta elementos e informações necessárias que explicam o porquê da reviravolta acontecer de forma tão coesa e coerente para com a trama.
E, além disso, o que mais me alegrou na releitura foi observar a força e poder da protagonista. Como é narrado por um personagem observador, torna-se quase um tema essa idealização e perspectiva que os outros personagens têm a respeito de Emily.
8. Button, Button, por Richard Matheson
Causando inveja em mim com seu poder de síntese, Richard Matheson executa uma estória curtíssima para ser lida em uma sentada, como diriam os amantes de contos.
“Button, Button” é uma estória muito bem ritmada, com diálogos ácidos muito bem pontuados, provocando filosofias e questionamentos profundos.
Este conto é o perfeito exemplo de trama visível e trama profunda.
7. The Tale-Tell Heart, por Edgar Allan Poe
Este conto traz a situação de um homem perturbado e extremamente afeto pelo olho de um idoso. Narrado em primeira pessoa por esse rapaz, o olhar do idoso é descrito como “de urubu”, e o protagonista tenta de todas as formas nos provar que ele não é louco – detalhando todos os eventos que serviram de base para o classificarem dessa forma.
O ritmo da estória realmente me entrelaçou de uma forma que não poderia me desprender. Poe se tornou influente no conto e escrita literária de forma geral para diversas gerações posteriores à dele, e, ao ler essa estória, descobri na prática o porquê. A concisão do escritor para narrar os eventos e a repetição intensa de palavras a partir do clímax me ensinou o motivo de nós, contadores de estórias, termos de ser conscientes quanto à linguagem na ficção – temos que entender o que é importante omitir, e o que deve ser repetido para desenvolver o efeito necessário.
Outro ponto interessante que eu credito à estória é a quase ausência de falas. Isso mostra o estado perturbado em que o narrador se encontra e o quanto ele pode manipular a estória ao seu favor e o objetivo de colocá-lo como uma pessoa sã. No final, vemos que tudo isso é essencial para o clímax da estória.
6. The Lottery
Em “The Lottery”, Shirley Jackson constrói uma trama envolta numa cortina de fumaça, e a primeira sentença carrega bem essa essência de nos enganar com facilidade.
Não obstante, o título também é uma tentativa muito bem sucedida de brincar com nossa imaginação e percepção.
Com temas muito interessantes como tradição e comunidade, a forma banal de como aquela sociedade lida com o tema é realmente bizarra.
5. A Pair of Silk Stockings, por Kate Chopin
Sabe aquela sensação gostosa de achar, no bolso de uma vestimenta sua, uma quantia que você nem se lembrava mais de existir? Enquanto eu iria provavelmente gastar desnecessariamente o dinheiro, uma vez que nem sabia de sua existência, o dilema é mais profundo para a protagonista de “A Pair of Silk Stockings”, Sra. Sommers. Mãe de vários filhos, ela interage consigo mesma para saber como melhor aproveitar a quantia até então inexistente.
É com essa situação cotidiana que Chopin nos presenteia com simbolismos ricos, temas identificáveis e discussões inesgotáveis.
4. A Good Man is Hard to Find, por Flannery O’Connor
Chegamos ao conto que mais me inspirou liricamente para me tornar escritor.
Essa é a estória de uma avó fofa que se vê obrigada a embarcar na viagem que seu filho, nora e netos farão para a Flórida.
Desde uma escrita fluida e limpa até os simbolismos muito bem selecionados e executados, “A Good Man is Hard to Find” nos prende com seu ritmo adequado e personagens complexos.
Mas o que mais me deixa impactado nessa estória, além da reviravolta emocionante, é a filosofia por detrás de toda a trama sobre as escolhas que trazem consequências diretas para a nossa vida.
3. Maria, por Conceição Evaristo
Muita gente já sabe, mas é sempre bom lembrar que a série televisiva Black Mirror(2011—) da Netflix é a minha maior inspiração quando se trata de contos. A série conta com uma variedade de elementos que me faz amar tanto a série. Um desses elementos que se estendeu para a minha escrita foi o tamanho. Tendo a série como base, sempre acreditei que quanto maior o conto, melhor. Essa é uma das maiores razões que explicam porque há conto meu com 14, 18, 27 páginas.
Combine esse meu amor por Black Mirror com todos os contos que já foram mencionados e vocês irão entender que estórias lineares e longas faz parte do meu estilo como autor.
Pois bem. “Maria”, de Conceição Evaristo conseguiu me mostrou que sim –, é possível impactar leitores(as) com uma estória de três páginas, mas ela fez muito mais que isso.
O conto acompanha a protagonista Maria – uma mulher negra empregada que espera o ônibus chegar. Quando o transporte chega, os eventos começam.
Conceição é uma escritora que, levando em conta suas protagonistas negras, acredita que a literatura pode abordar questões sociais que doem bastante, mas por se tratar de pautas relevantes no país em que vivemos, são totalmente necessárias. “Maria” é o exemplo prático disso. Com três páginas, o conto prova que Conceição pode escrever personagens complexos em uma situação simples do cotidiano, e com temas totalmente relevantes e abrangentes. A linguagem empregada tem coerência com a simplicidade adotada pela autora, e o vocabulário escolhido realmente corta o coração do(a) leitor(a), como uma faca-laser.
2. A Temporary Matter, por Jhumpa Lahiri
Eu confesso que até hoje, tendo lido este conto quatro vezes, eu me confundo com os nomes Shoba e Shumukar. É só a partir da segunda página que internalizo efetivamente na minha mente que Shoba é a mulher e Shukumar é o homem.
Independentemente da consciência da autora estar segura ou não quanto à essa confusão que leitores fazem por conta de personagens cujos nomes começam com a mesma letra, a genialidade desta narrativa é tanta que me faz passar um pano tremendo para essa mulher.
Uma perspectiva sobre casamento, a trama nos envolve de uma maneira muito impressionante, com sua linguagem coesa e um casal muito autêntico.
Como um fã dos plot twists de George R. R. Martin, eu sempre acreditei que plot twists deveriam envolver sangue, morte ou violência. A surpresa que eu tive ao chegar no clímax dessa estória, então, foi em dobro por causa da forma de como a autora manteve, brilhantemente, o desfecho para o final.
Sobre o clímax propriamente dito, a forma de como as sentenças estão jogadas funcionam mangnificamente.
A autora tem uma habilidade muito eficiente com as palavras. Juntamente do enredo, ela sabe apontar as palavras certas no tempo e modo correto.
1. Cat Person, por Kristen Roupenian
Eu devo confessar que, ao refletir sobre os meus contos prediletos para compor previamente essa lista, o conto de Kristen Roupenian estava em quarto lugar. Como então ele subiu três posições?
Logo a primeira vez que o havia lido, me lembro de ter sido impactado pela perspectiva autêntica e certeira da autora em nos mostrar os relacionamentos de hoje em dia. Cada linha é um momento de reflexão para ver o quanto nós nos identificamos com o relacionamento de Margot. E a autora retrata plenamente as camadas de um relacionamento contemporâneo, e cada estágio é detalhado com acurácia. Acontece que eu me identifiquei muito com o tipo de relação presente na trama. E o que me deixa impactado é narrativas cujo conteúdo eu consigo levar para a vida e nenhum outro conto que configura essa lista me ensinou tanto como Cat Person.
Para quem ficou curioso (e é para ficar mesmo!!!), Cat Person nos presenteia com Margot empreitando em um relacionamento comum para os dias de hoje. E é exatamente essa comunalidade que assusta tanto ao vermos a perspectiva como um todo.
E é por mudar a minha vida que esse conto subiu tantas posições para o ranking dos meus contos prediletos.
Como dito no início, espero que a continuação ou modificação dessa lista inclua mais narrativas brasileiras. Quer me ajudar nesse desejo? Me contem, nos comentários, seus contos favoritos :D.