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Intercalando a voz de três mulheres, romance policial é coeso,  coerente e equilibrado do início ao fim.

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Irmã de editora de Rafani, Ausentes foi lançado em 2019 por E. Ritt e está sob o gênero policial e suspense.

A estória se passa em São José dos Ausentes, no interior do Rio Grande do Sul. Uma cidade tipicamente gaúcha com vestimentas como bombacha e bebida tradicional como chimarrão, São José dos Ausentes segue os moldes de cidade do interior: população pequena que exala a impressão de que todos conhecem todos. É durante um passeio no lugar – que já foi sua casa – que Ana encontra um crânio humano, substituindo o ar pacato da cidade por uma investigação intensa.

Dividindo o protagonismo com duas outras mulheres – Marina e Jéssica -, Ana se interessa intensamente pelo caso. E aqui vai o primeiro ponto positivo que eu levanto para a obra: A participação ativa de uma civil no caso vai muito além de referências a Sherlock Holmes e seu parceiro Dr. Watson. Ana sofre de ciclotimia, um transtorno de humor que, de acordo com o vittude, faz com que a pessoa experimente momentos de depressão ou euforia subitamente. Tendo encontrado o crânio humano, é totalmente coerente que Ana se sinta no dever de participar ativamente da investigação.

Este, porém, não é o único momento em que paramos a leitura para refletir o quão crível determinada situação poderia ser. Não apenas Ana, uma civil, está intensamente ligada ao crime, como consegue auxílio indireto da polícia, o que alimenta sua euforia para com o caso. Como poderia ser possível ela receber tantas informações da policia, quando sua única participação no caso foi ter encontrado o crânio do morto? A autora prevê questões como essa colocando sua credibilidade em cheque. Por isso, ela usa Frank, o marido alemão da personagem, para fazer, na estória, a pergunta supracitada. Frank, desta forma, é o personagem que se assemelha a nós, leitores: céticos aos eventos que decorrem na trama. Em contra-partida, a autora usa Ana e todos os recursos possíveis da personagem para justificar alguns atos, criando, assim, um diálogo ativo entre autora e leitor(a). Para além de uma personagem com ciclotimia, a autora escolhe o primo da protagonista como delegado responsável no caso, o que explica as notícias em primeira mão que Ana recebe.

Além de coerência, a autora também é mestra em coesão. Cada linha parece estar ligada diretamente à outra, com uma linguagem madura e poética de tirar o fôlego e, consequentemente, nos impactar. E, não apenas coerente e coesa, a narrativa também traz descrições boas devido à escolha de palavas feita pela autora, além da técnica de show don’t tell estar bem equilibrada.

Outra coisa que também se encontra em equilíbrio é a estrutura em que a trama se passa. A obra, assim como O Monstro Atrás da Porta e Crisálida, não se limita apenas ao mistério policial, acrescentando, à fórmula “Quem matou fulano e por quê?, uma camada dramática que ajuda leitores não muito apegados ao gênero policial (lê-se eu mesmo) a se envolver melhor com a trama. Parece que há, nesse gênero, uma tendência para que leitores possam acompanhar e conhecer os detetives e demais envolvidos no núcleo principal, o que eu vejo com muito bons olhos, e as obras que eu citei fazem isso de maneira espetacular. O mesmo não pode se dizer de O Chamado do Cuco, assinado pelo pseudônimo de J.K. Rowling e que me fez perder o interesse por obras policiais, mas isso eu destrincho melhor em algum futuro em que me obrigue a ler este livro novamente.

Voltando aos elogios à obra assinada por E. Ritt, muito me agradaram os capítulos das amarguradas Marina e Jéssica. Ler os capítulos de ambas foi realmente palpável e tangível, dada a habilidade da autora em narrar estórias com pontos de vista e backgrounds diferentes. No caso da amargura das personagens, elas nos convencem que seu ex e sua mãe, respectivamente, são extremamente tóxicos e opressores.

A despeito dessa influência da voz das protagonistas, senti falta da complexidade de Álvaro, o marido de Jéssica. Na única oportunidade que temos de conhecer ele e sua personalidade, a autora opta por contar, por meio do ponto de vista de Ana, que ele é uma pessoa não intelectual e elitista, além de outras qualidades negativas. Seria interessante nós, leitores, tirarmos essa conclusão por meio da conversa que os personagens tiveram entre si.

Outro problema de narrativa que poderia ser mostrada em vez de contada é a explicação do delegado e primo da protagonista, para sua tia, de uma evolução no caso principal. Pelo ponto de vista dela, sabemos que é uma fala didática entregue à uma senhora semianalfabeta. Infelizmente, não participamos ativamente dessa percepção, já que a autora novamente nos priva indiretamente da situação como um todo.

Os nomes Rodrigo, Rogério e Rosa confundem um pouco e, se o leitor não estiver atento, pode confundir os dois primeiros personagens.

E, certamente, o fato de uma equipe de policiais não chegar às mesmas hipóteses que uma civil sem preparo algum também me deixou um tanto incomodado.

Ausentes, ao lado de Crisálida, é o meu romance policial favorito. As razões para isso são certamente o equilíbrio entre mistério e drama. Portanto, recomendo-o para todos que gostem de pelo menos um desses gêneros. Pode ser que você não se interesse pelo desenvolvimento do mistério, mas o drama contido nas páginas fará você acompanhar o caso até o final.

Seguem, tradicionalmente, as páginas da autora e editora para que vocês possam conhecê-las melhor:

Instagram da autora: @livroausentes

Instagram da editora: @grupoeditorialcoerencia