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Originalmente um projeto do Wattpad, “Rafani” é marcado como o primeiro romance publicado de forma tradicional da estreante Sinéia Rangel.

(http://leitoracretina.blogspot.com/)

Como já é costume, clique aqui para adquirir a obra.

Lançado em 2018 pela Editora Coerência, que segue os mesmos moldes da Editora PenDragon, “Rafani” é um romance hot protagonizado por Sam Allencar e pela própria personagem que carrega o nome do livro.

A sinopse, críticas contidas na primeira olheira e nota da autora nos prometem logo de início uma trama densa, com um tema muito delicado e demasiadamente controverso.

O prólogo, narrado em primeira pessoa por Sam, pinta o rapaz como bon vivant, que, na minha concepção, é uma pessoa que se joga na vida e aproveita o momento, sendo adepto ao carpe diem. A decisão que o personagem toma no final do prólogo realmente nos mostra esse seu lado, mas o desvio que Sam conta fazer para evitar se relacionar seriamente com mulheres me faz questionar o quão bon vivant ele de fato é: Como uma pessoa adepta ao carpe diem evita se relacionar vivamente com alguém por medo de sofrer? Seria esse o seu paradoxo?

Enquanto não descobrimos a resposta, a trama nos ganha com o diálogo ativo e dinâmico entre personagens que, apesar de terem falas muito formais e, consequentemente, não naturais, conseguem nos prender e virar as páginas.

Já alguns nomes retraem a nossa velocidade para que possamos indagar: Chloe Campbell, Emma, Zoe, Sam Allencar, Hannah, JP, Bárbara, Marcelo Andrade, Alessandra – impossível saber, pelos nomes, onde a estória se passa.

Agora, refletindo sobre a ambientação, não consigo lembrar, com precisão, onde a estória se passa, ainda que eu tenha lembranças de que é dito explicitamente o nome do lugar. Por isso vou chutar, sem culpa, Curitiba, uma vez que a escolha de ambientação não mostrou, para mim, importância para o desenvolvimento da trama.

Os capítulos sempre começam com algum trecho de uma canção, o que me pareceu muito interessante no início, mas, como uma pessoa que não conhece o rock nacional na mesma intensidade que a autora, não consegui ver o propósito literário para tal acréscimo na obra. Na segunda metade do livro, também somos apresentados a citações de séries americanas, que, para mim, continuaram mantendo o papel de desconhecidas. Desta vez, porém, os trechos escolhidos se mostraram muito mais eficazes em suas mensagens. Consegui conectá-las mais facilmente aos capítulos onde elas estavam inseridas.

Se tratando de um livro erótico, acredito que as cenas de sexo poderiam ser melhor estruturadas. As palavras e a forma como a autora conta não ajudam muito no quesito emoção. Para além disso, achei problemático o fato do contato de foda rápida de Sam ser justamente uma mulher negra (uma das poucas presenças negras), e a identificação de ambos por sexo selvagem não ajudou a suavizar essa problematização. Obviamente, é esperando que, em um romance hot, mulheres e homens apareçam fazendo sexo a todo momento. Mas, como estou intrinsecamente interessado em temas como “a fetichização do corpo negro” e “solidão do corpo negro”, não consigo não problematizar o fato da primeira (?) negra no romance ser marcada da forma que foi.

Ainda que o diálogo entre os dois protagonistas sejam dinâmicos e ativos, me incomodou, também, a quantidade expressiva de “não” que Sam ouviu de Rafani e mesmo assim insistir na tentativa de um romance. Por consequência, eu senti que a entrega dos protagonistas para o tal romance foi muito repentina e sem realmente mostrar a(o) leitor(a) a motivação concentra para fazer com que o relacionamento ocorresse de fato.

Também esperava que, com dois narradores já formados pelo MIT e com vasta experiência em engenharia, o livro traria descrições de ambiente e imóveis mais envolventes do que as que eu li. Da forma como ambientes e imóveis são descritos, eu não pude me sentir nos lugares onde as cenas ocorrem.

Outro incômodo foi a forma idealizada que Sam é pintado por todos à sua volta. Isso teve consequências para o casal protagonista, que parecia demasiadamente romantizado. Mas, embora Sam carregue o título de personagem mais superestimado, ele não é o único a ser descrito como extraordinariamente belo. O fato de quase os personagens serem apresentados como lindos, gostosos, com abdômen trincado, peitos harmonizados e etc me incomoda muito. Não existe gente fora do padrão em estórias de amor?

E, como estamos tratando de desconfortos, preciso registrar o quão parecidos Sam e Murilo são. Até o estilo de cabelo é compartilhado entre eles. E, em seus diálogos, fica difícil apontar para o mais infantil. Não sei se é porque não tenho acesso a papos estritamente heteros na vida real ou se prefiro ignorar que essas conversas, da forma como que se dão, podem existir de fato na vida real. Me senti no ensino fundamental acompanhando cada interação entre os demais homens heteros. A masculinidade frágil, principalmente proveniente do protagonista, apenas implicou uma nova camada ao meu incômodo.

Todavia, a autora leva um ponto positivo pela forma de como consegue transitar de forma muito única as diferentes vozes que narram o romance. Para tanto, a autora intercala no tom que cada narrador possui na trama, mostrando muito mais que perspectivas, mas também os seus lugares na estória. Entretanto, a narrativa peca em alguns trechos que não acrescentam nada de importante para a trama, o que acaba reduzindo a velocidade do texto. O ápice para este decréscimo de velocidade é uma cena em particular já após o clímax, onde um evento é contado por três narradores distintos. Como nada de novo ou diferente do que vimos é retratado para contrastar a primeira e segunda perspectiva que tivemos acesso, a leitura é desnecessariamente cansativa.

E, antes de chegar às conclusões, gostaria de falar da vilania presente no texto. Ainda que esta palavra-chave não seja citada no texto, dá para ver explicitamente que a autora escolhe os seus vilões. Ela pesa muito a mão nas atrocidades desses personagens. Há dois vilões que cometem o mesmo crime com a mesma personagem, ainda que em momentos distintos. E, se não bastasse toda essa fórmula de atos cruéis, esses personagens ainda compartilham a risada monstruosa típica de vilão de novela das 9. A despeito da personagem Samantha possuir alguns capítulos narrados por ela mesma, a personagem nunca consegue mostrar outras facetas que compõem o seu ser, sendo Sam aparentemente o único objetivo de sua vida. Acredito que mostrar a humanidade desses personagens seria tão interessante quanto mostrar suas monstruosidades. Assim, embora alguns crimes não serem objeto de discussão, a exibição de múltiplas facetas dos vilões da estória poderia levantar um debate entre leitores acerca de suas motivações para as atrocidades que cometem. Qual a mensagem que a autora quer levar quando coloca estupradores unicamente como monstros? Será que estupradores são seres tão plenamente vilanescos assim? Ou podemos encontrá-los na rua? No pai de família que vai à igreja aos domingos? No político que fomenta ações de caridade? O quão promissor um debate literário seria com personagens multifacetados, com motivações dúbias, com finalidades intensas?

Acredito que a autora tem bons temas e bons personagens para serem explorados. Porém, assim como os personagens são planos, os diálogos poderiam ser melhor lapidados, assim como os dilemas enfrentados pelo casal, pois me parecem tradicionais demais para se tornarem marcantes.

Ainda há alguns detalhes que eu gostaria de discutir aqui com vocês, mas para isso eu preciso que vocês leiam a obra com os seus próprios olhos e bagagem :D. Gostaria de deixar registrada a minha admiração pela brilhante reviravolta que a autora conseguiu amarrar na página 128. Digo brilhante por ser uma reviravolta que não cai no cliché “personagem bom é na verdade mau”. É muito mais interessante que isso. Ficou curioso(a)? Vá ler o livro e me conta depois o que achou!

Recomendo o romance para todos aqueles fãs do gênero literário romance de amor, uma vez que a narrativa adota diversos elementos esperados neste tipo de texto. Para além disso, considero a autora uma escritora de punho e voz muito corajosos por abordar temas tão pesados. Ela, no entanto, parece ter feito o dever de casa, compartilhando, ao longo da narrativa, um conhecimento bem denso nos temas propostos.

Seguem então os perfis de editora e autora para vocês conhecerem melhor:

Sinéia Rangel no Instagram: @sineiarangel

Site: https://www.sineiarangel.com.br/

Grupo Editorial Coerência no Instagram: @grupoeditorialcoerencia