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Não satisfeita em arriscar o legado criado pelo universo original da trilogia Jogos Vorazes, Suzanne Collins ousa em mostrar um universo diferente daquele a que nós foi apresentado.

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Não é segredo para ninguém que Jogos Vorazes é minha saga literária favorita. Imagine a minha reação, então, quando soube que Suzanne Collins estaria lançando uma prequel daquele universo?

Eu obviamente surtei, e aqui estão os motivos pelos quais eu simplesmente amei “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”:

Antes de mais nada, adquira o livro aqui.

Como é sabido, Suzanne Collins revisita seu universo de maior sucesso. Desta vez acompanhamos, sob a ótica de um narrador em terceira pessoa, o jovem Coriolanus, muitos anos antes dele se tornar o icônico Presidente Snow que conhecemos. No livro, sua família, composta unicamente pela avó e a prima Tigris, luta para não cair no ostracismo e na crise profunda que a guerra dos dias escuros os deixaram. Prometendo sair daquela posição em que foi deixado, Coriolanus dá os primeiros passos rumo à ganância que o cegaria. Ele estuda na Academia e, como estratégia de angariar mais audiência e tornar o Jogos Vorazes mais atraente, ele é escolhido, juntamente com outros colegas da Academia, para mentorear os tributos da 10º Edição. Era o início de um sonho. Caso saísse vencedor, não apenas ganharia uma bolsa de estudos para a faculdade, como também elevaria o nome dos Snow para além do que fora outrora antes da guerra. Dá tudo errado, porém, quando seu nome é anunciado como mentor do tributo feminino do Distrito 12, que já naquela época colecionava o histórico de exportadora de minério e tributos fracos.

E aqui entra o meu primeiro ponto positivo para a narrativa. Ciente da mente habilidosa que tem para criar cliffhangers, ela não poupa o punho de tecer sentenças memoráveis no fim de cada capítulo, só fazendo-nos aquietarmos quando viramos páginas e mais páginas.

O mesmo, infelizmente, não pode ser dito das descrições visuais. Elas são difíceis de serem imaginadas por conta de um conjunto de palavras que poderia ser melhor trabalhado. Esse problema de linguagem truncada segue nas páginas 106 e 109, o que me faz suspeitar não da autora, mas da tradução a que o livro foi exposto.

Mas isso não é o suficiente para tirar o brilho e genialidade que a obra traz. A autora compartilha ambas qualidades entre personagens e trama. Me parece que TODOS os personagens possuem pelo menos alguma cena onde suas múltiplas facetas são expostas, o que os coloca como complexos e muito bem construídos. Peguemos o protagonista como exemplo.

Embora demasiadamente tridimensional, Coriolanus acaba inclinando-se, na minha leitura, ao mal. O narrador sempre mostra que ele é muito calculista em suas decisões e ações, o que o coloca muito mais como oportunista do que como qualquer outra faceta que ele possa ter. Também é sagaz o exercício mental que Coriolanus faz toda vez em que enfrenta um dilema capaz de desafiar o seu caráter. Contudo, no meio do livro, devido às atrocidades dos Jogos, eu me vi obrigado a criar uma empatia que antes eu achava impossível de desenvolver. É quase que compreensível o porquê do personagem ter as motivações que tem. Há um ponto no início do terceiro ato, por exemplo, que realmente não há como não sentir empatia pelo personagem.

Outro exemplo de tridimensionalidade é o de Dra. Gaul. Esta já pode ser considerada uma das mais sinistras vilãs de séries de fantasia. Diferentemente da memorável Presidente Coin, não resta dúvidas que Dra. Gaul é mal-intencionada. A despeito de não mostrar outras facetas que a personagem possa ter, Suzanne Collins nos presenteia com uma cientista psicopata idealizadora de vários experimentos malignos que perduram até os tempos de Katniss Evardeen.

E, como dito anteriormente sobre o balanço entre personagens complexos e trama densa, chegou a hora de falarmos deste último tópico.

Cada ação na obra era como se eu soubesse exatamente onde a autora queria me levar, de modo que cada evento poderia ser traduzido por um símbolo, uma metáfora, uma analogia – um grito que Suzanne Collins. Alguns exemplos são a) o lugar para onde os tributos são levados ao chegarem na Capital, b) a morte coletiva de diferentes personagens e, c) claro, a conversa que Dra. Gaul tem com Coriolanus acerca de controle. Desta forma, considero a trama nada previsível. Quando houve momentos em que eu sabia o que iria acontecer, foi mais uma consequência de alguma atitude do que propriamente um ato previsível por parte da autora. Assim, ela foi mestra em mesclar entretenimento com simbolismo. E, quando achamos aleatório e arrastado alguns eventos na trama, Collins nos mostra que há uma razão por trás de cada decisão que ela tomou na narrativa, como se tivesse planejado a obra antes de escrevê-la, impossibilitando pontas soltas de emergirem.

Também preciso elogiar a técnica de show, don’t tell que a autora empregou na página 267. Esta técnica é origem de tanto debate entre escritores que eu achei relevante anotar a página em que Tigris mostra, com perspicácia, o talento que tem para com a costura.

O clímax segue o ritmo eletrizante e de tirar o fôlego presente desde o início da trama. Nesta parte especificamente, somos apresentados aos limites de Snow para se tornar o grande vilão da saga. A partir dali, o nosso medo de suas vilanias se tornam maiores por nós acompanharmos tão de perto e tão intensamente as suas ações.

Antes que digam que eu puxei saco de gringo, acrescento à resenha dois pontos que me incomodaram, além do meu ceticismo a alguns eventos específicos. O primeiro deles é a resistência do tributo Marcus em comer. Como sou uma pessoa que gosta muito de comer, eu sinto que alimento é uma coisa difícil de resistir e a tenacidade do personagem quanto a comida é algo questionável. O segundo ponto é a personagem Maude Ivory, que contém falas muito adultas para uma criança de doze anos.

Recomendo a obra então, para além de fãs da trilogia original de Jogos Vorazes (mas esses principalmente, pois serão presenteados com informações relevantes acerca de Panem), leitores que gostem de uma trama eletrizante recheada de personagens e símbolos literários autênticos. Minha observação de maior destaque se dá ao risco que Suzanne Collins resolveu tomar com este livro. Sabemos que muitas franquias, embora escritas por seus criadores originais, correm sérios riscos de serem manchadas por prequels ou sequências duvidosas, muitas vezes sem um objetivo muito claro, além de fazer dinheiro. Não foi o caso de “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”. Suzanne primeiro desafiou o ódio que nós sempre sentimos pelo Presidente Snow. Neste livro, porém, descobrimos o humano por trás do político que futuramente ele se tornaria. Esta camada, contudo, não foi o único risco que Collins tomou para o seu legado.

Em time que está ganhando, não se muda nada, correto? Não para esta autora. Em vez de usar o universo dos Jogos Vorazes que já estava todo pronto e estruturado no coração dos fãs da saga, ela foi coerente em nos apresentar os Jogos com regras totalmente distintas das versões que Katniss Everdeen e Peeta Mellark enfrentaram.

Para não perder o costume, seguem o perfil da autora e editora:

Suzanne Collins: http://www.suzannecollinsbooks.com/

Editora Rocco: https://www.rocco.com.br/

Editora Rocco: @editorarocco